INTRODUÇÃO
Quando Milei se refere à grandeza da Argentina no passado está falando da Constituição de 1853 elaborada por um grande argentino, certamente o maior e talvez menos conhecido pensador político da Iberoamérica, Juan Bautista Alberdi. Não quero dizer que outros autores mais recentes, como Von Mises, Hayek, Friedman entre outros, não sejam também importantes em sua formação, mas as bases de suas ideias já estão na história de seu próprio país. Milei não propõe uma revolução, ao contrário, deseja uma volta ao passado glorioso da Nação que começou há pouco a governar. Não pretende uma “nova Argentina”, mas um retorno à Argentina que já foi. O país, hoje está como diz a letra do grande tango (Cuesta Abajo): Si arrastré por este mundo, La vergüenza de haber sido y el dolor de ya no ser. Milei quer evitar o lamento - Bajo el ala del sombrero, cuántas veces embozada, Una lágrima asomada yo no pude contener - Assim se sentem os argentinos e Milei os entende, tanto que teve uma estrondosa vitória. Pode-se tranquilamente dizer: Milei é um reacionário! No estrito sentido da palavra: voltar atrás, reativar o liberalismo que tornou seu país grande. Conseguirá? Não podemos saber, apenas torcer para que consiga.
Publicarei um série de artigos para que seu pensamento seja melhor entendido. Alguns em espanhol, outros que traduzi. Refiro-me também a um vídeo que gravei há três anos: ARGENTINA DE ALBERDI A PERÓN. Inicio apresentando Alberdi
JUAN BAUTISTA ALBERDI
Juan F. Bendfeldt
Tradução: HEITOR DE PAOLA
Alberdi nasceu na cidade de Tucumán, Argentina, em 29 de agosto de 1810. Neste mesmo ano sua pátria começava a luta pela emancipação da Espanha. Depois de ficar órfão aos quinze anos, viajou a pé para a cidade de Buenos Aires percorrendo o país de Norte a Sul, pelos pampas e desertos. Estes dois meses lhe permitiram conhecer o isolamento dos povos das províncias, o despovoamento e a pobreza do campo e a riqueza natural de seu país.
Em Buenos Aires estudou como bolsista no Colégio de Ciências Morais, porém de forma descontinuada em função de sua necessidade de trabalhar para o sustento. Mais tarde, prosseguiu seus estudos na Universidade, na carreira de Direito. Começou seu prolífico trabalho como escritor aos 24 anos com a publicação de ‘Memoria Descriptiva de Tucumán’. Em 1837 escreveu o ‘Fragmento Preliminar ao Estudo do Direito’. Durante cinquenta anos publicou um número tão grande de obras, estudos e artigos que uma colação completa ocuparia mais de um metro de estante. Alberdi terminou seus estudos de jurisprudência em 1838, em plena ditadura do General Juan Manuel de Rosas. Para receber seu título de Doutor em Leis lhe foi exigido um juramento que repugnava seu espírito livre, razão pela qual se recusou, sendo impedido de obter o grau acadêmico.
Sua resistência e oposição à ditadura estabelecida após a independência, marcaram seu futuro. Censurado e perseguido em seu trabalho literário e jornalístico, viajou para Montevidéu em 1838, onde terminou seus estudos. Posteriormente foi para a Europa e, quando retornou de lá, optou por viver no Chile. Dos seus 74 anos de vida, 40 esteve longe de sua pátria num desterro voluntário. No ensaio ‘Palabras de um Ausente’ explica: ‘Deixei meu país em busca da liberdade de atacar a política do governo, que considerava o exercício de qualquer liberdade como crime de traição à pátria. Do exílio sua aguda pena assinalou os abusos do Estado que, segundo disse em ‘Patria, Estado e Liberdade’ de 1878 ‘...convertida em nação livre e soberana conservou, entretanto, em sua nova condição, a onipotência orgânica de sua origem como um precedente da história. O Estado ficou livre, certamente; a pátria se tornou independente desde que não dependeu do poder da Espanha nem de outro poder estrangeiro; porém o filho desta pátria, o indivíduo, o cidadão, continuou sujeito à onipotência do Estado livre, da mesma forma, mais ou menos, que estivera ao Estado colonial onipotente’.
Em 1852 a ditadura de Rosas foi derrotada militarmente. Ao saber disto Alberdi se entregou completamente ao que seria sua contribuição mais importante para a defesa da liberdade no continente. Suas ‘Bases y Puntos de Partida para La Organización de La Confederación Nacional’, foi publicada em 1º de maio do mesmo ano. Seu aparecimento foi oportuno, pois havia sido convocado um Congresso Geral Constituinte. Alberdi tinha estudado o fracasso das tentativas constitucionais em muitos países, e o êxito em outros. Sua proposta foi uma solução adequada à realidade e à necessidade argentinas baseada em princípios universais. Para defendê-la escreveu: ‘A Constituição deve reconhecer, entre seus principais fins, a inviolabilidade do direito de propriedade e a completa liberdade de trabalho e de iniciativa’.
Grande parte das Bases foi dedicada a explicar os princípios da organização do Estado como um instrumento de defesa dos direitos individuais que todas as pessoas têm em comum. Alberdi pretendia um modelo de governo republicano com uma Constituição para garantir a máxima proteção da liberdade dos cidadãos. Acrescentou às Bases um ‘Projeto de Constituição’. Em maio de 1853 a República Argentina promulgou sua Constituição Nacional, virtualmente adotando o modelo de Alberdi. A Constituição de Alberdi se destaca por sua congruência e clareza de princípios, o que a tornou duradoura. É um exemplo para os latino-americanos que ainda não compreenderam a mensagem deste campeão da liberdade. E por isto já mudaram 262 constituições em seus países.
Juan Bautista Alberdi serviu posteriormente como Embaixador na Europa de onde regressou em 1879 por ter sido eleito Deputado ao Congresso Nacional. Velho e doente, já não se sentia atraído pelo trabalho legislativo. Aceitou pronunciar o discurso de formatura dos advogados de sua antiga Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, em maio de 1880. O jornalista argentino, Don José Santos Golián, no seu pequeno livro ‘Evangelista de la Libertad’, relata o ocorrido nesta ocasião: ‘Conseguiu ler somente algumas palavras; sua voz se apagava. Um jovem – Enrique García Merou – leu o discurso preparado pelo Evangelista da Liberdade. Aquela era uma reiterada e última mensagem de liberdade....que ainda nos dias de hoje deve ser lida com proveito pelos jovens e os velhos de toda América e do mundo inteiro’. Alberdi intitulou este discurso ‘La Omnipotencia del Estado es La Negación de La Libertad Individual’.
Em 1881 Alberdi deixou a Argentina e retornou a Paris onde faleceu em 18 de junho de 1884, esquecido e na miséria. Sua obra mais importante, no entanto, não foram nem seus escritos, nem suas contribuições ao Direito: foi a própria Argentina que chegou a ocupar um dos primeiros lugares no concerto das nações. Nas primeiras décadas do século XX, chegou a ser o país mais próspero da América Latina. Em sua ‘Autobiografia’ e nas suas obras, o eminente Pai da Constituição Argentina cita os autores que contribuíram para a formação de suas ideias: Adam Smith, Jean Baptiste Say, Frederic Bastiat, Benjamin Constant, Alexis de Tocqueville, Jeremy Bantham, John Locke, Condillas e Chateaubriand, entre outros grandes liberais.
Além das obras já citadas devemos mencionar pelo menos as seguintes:
- La República Argentina treinte y três años después de su Revolución de Mayo
- Elementos de Derecho Público Provincial
- Sistema Económico y Rentístico de La Conferación Argentina según su Constituición de 1853
- La Vida y los Trabaljos de William Wheelwright en La América Del Sud
- La República Argentina Consolidada
- Estúdios Económicos
Suas mais de setenta obras foram reunidas nas ‘Obras Completas’ e nos ‘Escritos Póstumos’.
Juan Bautista Alberdi foi um Campeão da Liberdade. Não somente a defendeu e lutou por ela para si e para seus concidadãos, mas também forjou as instituições jurídicas que permitiram que a liberdade sobrevivesse por tanto tempo. Os pensamentos abaixo foram retirados de seu ‘Sistema Económico y Rentístico...’ e refletem a clareza do seu pensamento:
- ‘A liberdade econômica é, de todas as garantis constitucionais, a mais exposta aos atropelos da lei. Pode-se incluir entre elas: a liberdade de comércio e de navegação, o direito ao trabalho, a liberdade de locomoção e de trânsito, a de usar e dispor livremente de sua propriedade e de associação voluntária’.
- ‘Toda lei, todo decreto, todo ato que, de algum modo, restringe ou compromete o princípio da liberdade, é um ataque mais ou menos sério à riqueza do cidadão, ao Tesouro do Estado e ao progresso material do país. O despotismo e a tirania, sejam do poder, sejam das leis ou regulamentos, aniquilam o manancial de riqueza na sua origem – que é o trabalho livre – e são causas de miséria e escassez para o país e a origem das degradações inerentes ao estado de pobreza’.
- ‘A propriedade não tem valor nem atrativo, não é riqueza de verdade, quando não é inviolável pela lei e pelos fatos. Sempre que a segurança da pessoa e da propriedade existe com um fato inviolável, a população se desenvolve por si mesma, sem nenhum outro estímulo além deste’.
- ‘O que exige a riqueza de parte da lei para ser criada e produzida? O que Diógenes exigia de Alexandre: que não lhe faça sombra!’
No discurso que se segue, escrito há mais de cem anos, o leitor perceberá a sua atualidade. Prestem atenção às palavras de advertência do Evangelista da Liberdade sobre a onipotência do Estado.
NOTA DO EDITOR:
O discurso citado será publicado posteriormente.
Juan F. Bendfeldt é Professor de Economia e Ética na Universidad Franciso Marroquin, Membro da Fundación Educativa Guatemala e Diretor do Centro de Estudios Económico-Sociales.