As 7 últimas palavras de Cristo e o Credo Niceno: 'Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem'
Você tem que se aproximar para ouvir as palavras, pois um homem crucificado luta para falar, seus pulmões esmagados pela pressão de seu próprio peso, mesmo enquanto seu corpo grita de dor.

Padre Raymond J. de Souza - 13 abr, 2025
Nota do Editor: Por mais de 20 anos, o Padre Raymond de Souza pregou a devoção das Sete Últimas Palavras, uma meditação tradicional sobre as sete vezes que Jesus fala da cruz na Sexta-feira Santa. Tornadas famosas recentemente pelo Venerável Fulton J. Sheen, as meditações geralmente são organizadas em torno de um tema específico. Para 2025, o Padre de Souza escolheu o Credo Niceno como tema, já que a Igreja Católica celebra este ano o 1700º aniversário do Concílio de Niceia . Esta primeira de sete meditações foi pregada na paróquia de Holy Cross em Kemptville, Ontário, onde o Padre de Souza é o pároco.
“Dois outros criminosos também foram levados para serem mortos com ele. E, quando chegaram ao lugar chamado Caveira, ali o crucificaram, e também aos criminosos, um à direita e outro à esquerda. E Jesus disse : 'Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem'” (Lucas 23:32-34).
É meio-dia e em Jerusalém a escuridão cai sobre a terra, pois o Filho do Homem foi levantado e agora está pendurado na cruz (Marcos 15:33).
Em outros lugares, o sol sem dúvida brilhou naquela primeira Sexta-feira Santa, como normalmente acontece. Então, como agora, o dia não parece diferente dos outros dias. Então, como agora, as pessoas cuidavam de seus negócios, pois um feriado se aproximava e os preparativos finais precisavam ser feitos. Mas os Evangelhos nos dizem que o sol não brilhou em Jerusalém do meio-dia às três da tarde naquela primeira Sexta-feira Santa. Muitos então, como agora, não sabiam o que estava acontecendo, mas o Deus que colocou o sol e as estrelas em seus lugares sabia o que estava acontecendo. E assim a escuridão caiu sobre a terra.
É meio-dia e o Filho do Homem foi levantado. Durante essas horas, não apenas Jesus está pendurado na cruz, mas toda a história em sua dobradiça. A cruz no Calvário está no ponto central da história. O mundo inteiro gira em torno da cruz. E dessa cruz, o Sumo Sacerdote da Nova e Eterna Aliança — elevado ao púlpito mais doloroso já construído — fala.
É preciso aproximar-se para ouvir as palavras, pois um homem crucificado luta para falar, com os pulmões esmagados pela pressão do próprio peso, enquanto o corpo grita de dor. O corpo grita, a voz silencia. Ouvimos essas palavras, as sete vezes que Jesus fala da cruz.
Ao ouvirmos Jesus falar da Cruz, colocamos diante de nossos corações o Credo Niceno, porque este ano, 2025, marca o 1700º aniversário do Concílio de Niceia, em 325, o primeiro dos grandes concílios ecumênicos da Igreja. O Credo Niceno leva o nome daquele primeiro concílio, em 325. Nós o professamos juntos na Missa dominical. Na Sexta-feira Santa, não professamos o Credo Niceno. Ouvimos as Sete Últimas Palavras.
A primeira palavra da Cruz é: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”.
A primeira palavra da Cruz é dirigida ao Pai. O Filho fala ao seu Pai e, da mesma forma, o Credo Niceno começa com uma profissão de fé no Pai. As primeiras palavras do Credo são: "Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis".
Chamamos isso de credo. A palavra "credo", uma palavra inglesa que usamos para um conjunto de crenças, vem de credo , a palavra latina para "eu creio". O Credo Niceno começa com Credo in unum Deum — "Eu creio em um só Deus".
O Credo é uma declaração e um resumo da fé. A fé é uma forma de conhecimento. Eu conheço as coisas pela fé; é uma operação do meu intelecto.
Há coisas que conhecemos por meio de observação e medição diretas. Geralmente chamamos isso de conhecimento natural ou ciência. Eu sei algo porque posso observá-lo e medi-lo. Então, aplico a lógica ao que observei e medi. Repito isso para adquirir e testar meu conhecimento; chamamos isso de método científico.
Essa não é a única maneira de conhecer as coisas. Há aquelas que conhecemos pela fé, e realmente as conhecemos. Fé não é conhecimento que vem das minhas observações; vem da confiança. Confio em quem está me dizendo algo, então acredito que seja verdade. Essa também é uma forma de conhecer. Na verdade, é a forma mais comum de conhecer. A maior parte do que sabemos vem pela fé, pois não temos os recursos, ou tempo, para observar e mensurar diretamente.
É possível para mim medir a distância, digamos, da minha casa até o santuário local. Eu poderia medi-la e então saberia a distância pela minha observação. Mas não conheço ninguém que já tenha feito isso. Olhamos para um mapa, produzido por alguma fonte confiável, e então sabemos qual é a distância. Ou usamos nosso GPS agora. É um ato de fé. O mapa pode estar errado, o GPS pode estar calibrado incorretamente. Mesmo assim, eu faço um ato de confiança. Quando faço a viagem, então sei pela observação o que primeiro soube pela fé. A fé geralmente vem primeiro.
A maior parte do que sabemos vem pela fé, pois não temos tempo nem recursos para observar e mensurar tudo. A vida cotidiana é impossível sem fé. Quero encontrar um amigo, e ele diz que me encontrará às 18h. Como posso saber que ele estará lá? Confio nele. Eu poderia contratar alguém para observá-lo e monitorá-lo, mas não o faço. Se ele não aparece várias vezes, aprendo a não confiar mais em sua palavra e, quando a confiança se esvai, o conhecimento se esvai.
Imagino que tudo o que você sabe sobre seus bisavós você não observou ou verificou, mas lhe foi contado. E como seus avós e pais são confiáveis, você tem fé neles. É a única maneira de saber sobre o passado. A fé é necessária para a vida — a vida cotidiana, comum. Para sobreviver ao dia a dia, precisamos praticar muitos atos de fé.
É ainda mais necessário para a vida eterna, porque esse é um mundo — "céu e terra", como dizemos no Credo — além do que podemos medir. É essencial conhecer esse mundo, e só podemos obter esse conhecimento de alguém que pode nos revelá-lo. Assim, começamos o Credo: "Creio em um só Deus". Ele é o revelador confiável.
O Credo insiste que este Deus é “um só Deus”. Então dizemos imediatamente “o Pai todo-poderoso”. O “único Deus” é um “Pai”.
Não é possível ser pai sozinho. Um pai só pode ser pai em relação a um filho, uma criança. Já nessas primeiras palavras do Credo, reconhecemos que Deus é um, mas também plural — apenas um, mas não um só. Isso será explicitado no restante do Credo.
Dizer "o Pai todo-poderoso" significa que existe algum tipo de comunhão, uma comunhão de pessoas. Este Deus é algum tipo de comunidade. O Credo Niceno é trinitário. Professamos desde o início que aquele em quem confiamos, aquele de quem nossa confiança dá origem à nossa fé, é o Pai — o que requer que haja um Filho.
Então professamos que este Deus é "o criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis". Há um mundo que podemos ver — o mundo visível. De forma mais ampla, este é o mundo que podemos medir. Hoje, com nossos instrumentos mais avançados, não dependemos mais apenas de nossos olhos naturais; os instrumentos podem medir coisas que são muito pequenas ou muito distantes. O mundo visível são todas aquelas coisas que podemos observar e medir.
Não importa quão poderosos sejam nossos instrumentos, não importa quão poderoso seja o telescópio ou o microscópio, há certas coisas que não podem ser medidas. Esse é o mundo do invisível, o mundo além da nossa observação e medição. Em nossa era altamente tecnológica, temos grande confiança naquilo que podemos medir e manipular e, portanto, somos tentados a negligenciar ou esquecer aquilo que não podemos ver.
A ciência e a tecnologia podem responder a inúmeras perguntas, algumas delas muito importantes, mas também existem outras questões importantes que não podem ser respondidas por meio de medições. Por exemplo, "Meus pais me amam?". É uma pergunta muito importante, e da resposta a essa pergunta pode depender todo o curso da vida de uma pessoa. Ela não pode ser medida; não há instrumento que calibre o amor. O amor pertence ao mundo invisível.
A primeira palavra da Cruz fala sobre o perdão dos pecados: "Pai, perdoa-lhes". O perdão também é invisível; não há fita métrica para isso. O hino do Padre Frederick Faber diz que "há uma vastidão na misericórdia de Deus como a vastidão do mar". Seria difícil medir a vastidão de um oceano, mas é possível. Medir a misericórdia simplesmente não é possível.
O pecado também é invisível; não há telescópio para isso. Não podemos medir a distância que o pecado coloca entre nós e Deus, mas ele é real.
Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem. Aqueles que não sabem o que fazem, que não sabem o pecado que estão cometendo — isso bem poderia descrever todas as pessoas, em todas as épocas e em todos os lugares, que vivem como se o mundo do pecado e do perdão não existisse. Elas não conhecem o mundo invisível que Deus criou.
Há muitos anos, o Papa Pio XII disse que "uma das grandes fraquezas do nosso tempo foi a perda do senso de pecado". Como ele não pode ser medido, podemos pensar que não existe. Se o pecado não existe, todo o mundo do perdão e da salvação se torna desnecessário, até mesmo incompreensível.
Mas se o pecado existe, então precisamos de salvação, precisamos de perdão. Se nos esquecemos do pecado, então podemos, ainda mais tragicamente, esquecer a misericórdia e a salvação. C. S. Lewis foi apenas um dos muitos mestres espirituais que disse:
“O maior sucesso do diabo é persuadir as pessoas de que ele não existe só porque elas não conseguem vê-lo.”
O que Jesus faz? Jesus torna o invisível visível. Deus é invisível. O Filho Eterno do Pai é invisível. Jesus, o Filho Encarnado do Pai, Filho de Maria, é visível. Ele torna o mundo invisível de Deus, do espírito, visível para nós.
Mais do que todos os sinais e maravilhas que Ele opera, Ele nos traz um Deus que podemos ver. Ele nos revela a face do Pai. São João nos diz, no prólogo do seu Evangelho, que ninguém jamais viu a Deus, exceto o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar (João 1:18).
Na cruz, Jesus torna visíveis duas realidades — o pecado e o amor — que não podemos ver em si mesmas, mas podemos observar em seus efeitos.
Ele torna visível a realidade do pecado. São Paulo escreve que Cristo Jesus se fez pecado por nós (2 Coríntios 5:21). Sabemos que o pecado degrada e destrói invisivelmente, e o vemos explicitamente no que ele fez a Jesus pendurado na cruz. É assim que o pecado se manifesta.
Podemos nos perguntar: Por que Jesus veio naquele momento? Talvez Ele tenha vindo em um tempo e lugar onde era possível ser crucificado. Os romanos aperfeiçoaram essa forma de execução, que visava não apenas trazer a morte, mas também a desonra e a degradação; a crucificação desfigurava a própria humanidade daquele que estava sendo crucificado. A realidade invisível do pecado se torna vividamente visível em Cristo Jesus, em Cristo crucificado.
A outra realidade é a realidade do amor, do amor misericordioso, do amor sacrificial. Não podemos mensurar o amor, mas o conhecemos. Sei quando sou verdadeiramente amado e sei quando amo verdadeiramente.
A medida do amor é o sacrifício. Como sei que alguém me ama? Porque essa pessoa se sacrifica por mim. Uma criança, uma criança pequena, pensa que seus pais existem simplesmente para suprir suas necessidades. À medida que cresce, percebe os sacrifícios que seus pais fazem por ela. Se ela se perguntar se é amada, esses sacrifícios deixam claro que sim.
O sacrifício da Cruz torna o amor visível, torna o perdão visível, torna a misericórdia visível. Talvez haja um instrumento que possa medir o mundo invisível. Não o microscópio, nem o telescópio, nem o sismógrafo, nem o estetoscópio. A Cruz é o instrumento que mede o invisível.
Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.
O Padre Raymond J. de Souza é o editor fundador da revista Convivium .