AS BASES DO PENSAMENTO DE JAVIER MILEI - II
No son los pueblos los que generan los gobiernos que se les parecen, sino las clases dirigentes las que determinan los comportamientos de los pueblos
A AMÉRICA LATINA ENTRE ALBERDI E BOLÍVAR
Armando Ribas
Tradução: HEITOR DE PAOLA
O fracasso histórico da América Latina é um fato incontroverso. O que é discutível são as razões do fracasso e lamentavelmente as teses em voga não fornecem explicações que propiciem mudar a situação. Se aceitarmos a priori que temos uma cultura inferior (ou seja, somos naturalmente inferiores) o que podemos esperar para o futuro dos nossos filhos? Mais ainda, pergunto: o que é uma cultura inferior? Muitos sustentam que temos uma tendência inexorável para violar a lei e, pior ainda, que temos uma vocação para o caudilhismo que no fundo significa não estarmos preparados para a liberdade. Continuamos nos auto flagelando ao pensar que somos por natureza politicamente corruptos e que a pobreza da maioria junto à riqueza de poucos está baseada nesta natureza corrupta. O mais notável destas observações é que aqueles que as fazem parecem se sentir exceções desta corrupção natural cujas origens nos faz chegar aos Reis Católicos.
Ao mesmo tempo construímos ou ao menos aceitamos uma história européia prenhe de virtudes políticas, as quais não teriam chegado a nós pela barreira do Atlântico. O próprio Ortega y Gasset em sua brilhante obra A Rebelião das Massas incorre, a meu ver, num dos mais confusos erros históricos do nosso tempo. Assinalava lucidamente Ortega que tudo o que é antiliberal é anterior ao liberalismo e que o maior perigo era o Estado. E diz a respeito: “A estatização da vida é o intervencionismo do Estado, a absorção de toda espontaneidade social pelo Estado; quer dizer a anulação da espontaneidade histórica que nutre e impulsiona os destinos humanos”. Depois destas sábias palavras que certamente se referem ao processo nacional socialista que se desenvolvia na Europa, se mostra ressentido ante a aparente convicção do que considerava um lugar comum: acreditar que a América era o futuro, e diz: “A América, longe de ser o porvir é na realidade um remoto passado porque é puro primitivismo. E também, contrariamente ao que se acredita, o é muito mais a América do Norte do que a do Sul”.
Essas palavras que, à luz dos fatos, ressoam como um contra-senso do qual Ortega mais tarde se arrependeu, parecem ter hoje em nosso meio uma vigência política à qual se acrescentou o pensamento de Lenin no tocante ao imperialismo. A esta opinião desatinada de Ortega aderiu solenemente J. Henrique Rodó[i], o qual, ao gosto próprio da Tempestade de Shakespeare, tornou os latino-americanos similares de Ariel, um espírito puro, frente a um Caliban representado pelos carniceiros de Chicago. Um pouco mais tarde Fernández Retamar[ii], numa interpretação igualmente arbitrária da obra citada, pretendeu atribuir a Próspero o capitalismo explorador dos Estados Unidos e a Caliban os explorados. Mas Carlos Rangel[iii] em sua obra Do Bom Selvagem ao Bom Revolucionário toma consciência da tendência prevalente na América Latina e diz: “O marxismo preenche agora para a América Latina as mesmas funções que teve no início do século o manifesto de Rodó”. E eu acrescentaria que Marx nos chega hoje através de Lenin e de sua visão do imperialismo como “Etapa Superior do Capitalismo”.
Mas deveria ser evidente que tais pretensões intelectuais são oriundas do despertar da independência no nosso Continente, em princípios do Século XIX, em plena evolução da Revolução Francesa como resultado do Iluminismo, com exceção da quase diria privilegiada Cuba que permaneceu em mãos da Coroa Espanhola até o final do século. A intervenção americana em Cuba representou uma indubitável vantagem, e assim o reconhece José Varona[iv]: “Os Estados Unidos salvaram Cuba para a civilização e a humanidade; e deveríamos ser eternamente gratos por isto”. Lamentavelmente, em quase 60 anos de República esta realidade foi ignorada e, sem se dar conta, caímos na mais cruenta tirania que já conheceu o Continente.
Evidentemente as palavras de Ortega estavam vigentes em 1810 no pensamento de nossos libertadores. Esta realidade fez Juan Bautista Alberdi, que considero o maior pensador político da América do Sul, dizer: “A América do Sul se libertará no dia em que se libertar de seus libertadores”. Alberdi reconhecia a confusão existente entre liberdade e independência e a ignorância que os libertadores tinham da natureza própria da primeira. Assinala a respeito que o erro consistiu em buscar a liberdade pelos mesmos meios com que se conseguiu a independência, que foram a espada e a guerra. Assim foi a América Latina com Bolívar no comando depois de Guayaquil[v]. Infelizmente, mais recentemente, o Presidente Bush parece ter sofrido desta mesma confusão no Iraque e está pagando as conseqüências.
Hoje, a revolução bolivariana do “socialismo do século XXI” faz parte desta mesma confusão, na qual a prática política beneficia os detentores do poder em prejuízo das liberdades dos cidadãos. Conseqüentemente, ignora-se a sabedoria que transpiram das palavras de Alberdi escritas no seu O Despotismo do Estado quando já tinha se conscientizado do que Ortega observou a respeito do Estado, e disse: “A Pátria é livre quando não depende do estrangeiro; mas o indivíduo carece de liberdade enquanto depende do Estado de poder ilimitado e absoluto”. E aí temos o exemplo mais evidente desta realidade nas portas do Caribe. Porto Rico não é independente, mas os porto-riquenhos são livres; Cuba é independente, mas os cubanos não são livres.
No momento em que Cuba parece antever a possibilidade de libertar-se do seu “libertador”, o “libertador” venezuelano, o Sr. Chávez, ameaça a liberdade do continente com a intervenção direta na Bolívia, fundamentado no anti-imperialismo leninista e no poder do petróleo. Por sua vez, Alberdi sequer aparece no pensamento continental, onde às ditaduras militares seguiu-se, em grande parte dos países, um despotismo eletivo ao qual denominamos e qualificamos como democracia. Reina o conluio entre Bolívar e Lenin, o desprezo pelos direitos individuais. Vale recordar que o Libertador, em carta ao Governador de Barinas[vi] escrita em 1813, dizia: “Jamais a divisão do poder estabeleceu e perpetuou governos, somente a sua concentração conseguiu infundir respeito numa nação e eu não libertei a Venezuela se não para implementar exatamente este sistema”...E o discurso de Angostura[vii] faz eco com o nosso e assinala que o sistema de governo dos Estados Unidos não é apropriado para nossos países”. Em outras palavras: necessitamos de uma ditadura. É evidente que Bolívar estava influenciado pela Ilustração, ou como assinala Alberdi, tinha sido educado na Espanha sob o despotismo mais absoluto. É óbvio que rechaçar a democracia americana implica em desconhecer os direitos individuais e só deixa como alternativa a ditadura, por mais que esta colecione votos.
Diferentemente, Alberdi toma consciência do que denomina barbárie ilustrada, se referindo às doutrinas totalitárias que, surgindo do Iluminismo, eclodiram no século XX no nacional-socialismo, no fascismo e no comunismo. Numa carta a Sarmiento[viii] escreveu: “Existe uma barbárie ilustrada mil vezes mais desastrosa para a verdadeira civilização que a de todos os selvagens da América Latina”. Alberdi havia testemunhado as comunas de Paris quando, como se sabe, os parisienses tiveram que comer ratos. Alberdi foi um precursor e por isto conseguiu levar a cabo o projeto político argentino da segunda metade do Século XIX baseando sua Constituição nos mesmos princípios da de Filadélfia. Assim como Sarmiento acreditava que se podia ser livre e civilizado sem ser nem anglo-saxônico nem protestante e em apenas cinqüenta anos conseguiram converter um dos países mais pobres da América no oitavo país do mundo. A decadência surgiu depois, com o pensamento nacionalista e socialista europeus, do qual os próprios europeus foram salvos pelos americanos. A desunião está presente e creio que chegou a hora dos Estados Unidos tomarem consciência de que a liberdade no continente afeta seus interesses nacionais e não incorra outra vez no erro de ter deixado Cuba nas mãos da União Soviética para submergir numa guerra insensata no Vietnã, projeto que Paul Johnson qualificou como “A tentativa de suicídio americana”. Insisto, a alternativa está entre Alberdi ou Bolívar, ou seja, entre a liberdade ou a tirania.
* Advogado, Professor de Filosofia Política, jornalista, conferencista de renome internacional, membro da Atlas Economic Research Foundation, historiador, estudioso do crescimento econômico vinculado à limitação do poder político e ao respeito pelas minorias. Nasceu em Cuba em 1932, formado em Direito pela Universidade Tomás de Villanueva de Havana, Master em Direto Comparado pela Southern Methodist University, de Dallas, Texas. Chegou à Argentina em 1960, logo após a tomada do poder pelos comunistas e tornou-se cidadão argentino já tendo exercido a função de Deputado e novamente candidato pelo Partido Recrear.
Tradução: HEITOR DE PAOLA
NOTAS DE ESCLARECIMENTO DO TRADUTOR
[i] José Henrique Rodó (1872 – 1917), ensaísta e jornalista uruguaio, autor de Ariel (1900), considerado uma das mentes mais universais da literatura hispânica, Deputado, Diretor da Biblioteca Nacional e Profesor da Universidade.
[ii] Roberto Fernández Retamar nasceu em Havana em 1930, professor Emérito da Universidade de Havana, defende a Revolução Cubana e apóia o regime comunista, foi Diretor da revista Casa de las Americas (1965) e Membro do Conselho de Estado (1998).
[iii] Carlos Enrique Rangel Guevara (1929 - 1988), jornalista venezuelano, analista político da América Latina, além do livro citado escreveu Terceromundismo, em ambos alertava os venezuelanos sobre o perigo que corria o país de ser submetido à uma ditadura de esquerda. O livro Manual del Perfecto Idiota Latinoamericano foi dedicado a ele e a Jean-François Revel.
[iv] Enrique José Varona (1849-1933), Escritor, Filósofo, Pensador e Pedagogo Cubano. Durante a ocupação americana foi Secretário de Fazenda e de Instrução Pública e Belas Artes tendo modernizado o ensino através do chamado Plano Varona. Com a República vai para a Universidade e funda o Partido Conservador Nacional.
[v] Encontro histórico entre Simón Bolívar e José de San Martin em 1822, após a Revolução de Independência de Guayaquil de Outubro de 1820, onde se decidiu o futuro da independência da América. San Martin renuncia ao cargo de Protetor do Peru e se retira da vida pública, ficando Bolívar comandante único do processo de independência.
[vi] Um dos 23 Estados da Venezuela.
[vii] Discurso de Bolívar em San Tomé de Angostura (hoje Ciudad Bolívar) em 15 de fevereiro de 1819, na instalação do Segundo Congresso Constituinte da Venezuela.
[viii] Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888), exilado no Chile durante o governo de Rosas, escreveu Facundo o Civilización y Barbarie, um profundo estudo sobre o Caudilhismo. Combateu Rosas sob o comando de Urquiza. Foi Presidente da Argentina de 1868 a 1874, duplicou o número de escolas públicas e construiu em torno de 100 bibliotecas e estimulou a imigração européia por influência de Alberdi, o que trouxe um rápido progresso ao país. Apoiou Alberdi desde a Constituinte até a eleição deste para Deputado em 1878.