Cúpula da NATO coloca a Europa em pé de guerra
O balanço da cúpula da Aliança Atlântica parece confirmar a inclinação do Ocidente em buscar o confronto militar com a Rússia e a dos Estados Unidos em deixar a Europa cada vez mais fraca política, militar, social e economicamente.
Gianandrea Gaiani 14/07/2024
Tradução: Heitor De Paola
O resultado da cúpula da OTAN em Washington para o 75º aniversário da Aliança Atlântica parece confirmar a inclinação do Ocidente em buscar o confronto militar com a Rússia e dos Estados Unidos e seus aliados para deixar uma Europa cada vez mais enfraquecida política, militar, social e economicamente.
Entre os protagonistas da cúpula estava o presidente Biden, considerado por alguns como alguém que sem dúvida precisa de uma substituição na corrida pela Casa Branca e por outros como alguém "atento" apesar de algumas gafes, sobretudo do secretário-geral da OTAN, Lens Stoltenberg, que em breve cederá seu assento ao holandês Mark Rutte, outro fiel escudeiro dos interesses de Washington.
Após anunciar que a adesão da Ucrânia à OTAN é uma questão de "quando, não se", Stoltenberg descreveu a adesão de Kyiv à aliança como "irreversível". Uma questão reiterada peremptoriamente pela primeira-ministra estoniana Kaja Kallas, sempre na vanguarda da frente antirrussa. Certamente este é um compromisso político que ainda não tem concretude: não há data ou plano, e o próprio presidente ucraniano Volodymyr Zelensky admitiu que a adesão é impossível enquanto a guerra continuar.
Em termos reais, no entanto, dois aspectos foram ignorados pelo secretário-geral da OTAN e pelos estados-membros. Primeiro, a filiação da Ucrânia à OTAN, mesmo que apenas anunciada, significa um estado de guerra total (talvez devêssemos dizer "irreversível") com a Rússia, já que significaria tropas e bases dos EUA a 500 quilômetros de Moscou, assim como os EUA receberam sinal verde de Helsinque para acessar uma dúzia de bases em território finlandês, a um passo de São Petersburgo e da Carélia russa.
Não é preciso muito bom senso para imaginar como Washington reagiria à presença de bases russas (ou chinesas) no Canadá ou no México para entender o contexto em que a Europa está se colocando.
Os governantes dos 32 estados aliados estão cientes disso? Todos eles estão de acordo com a Ucrânia se juntando à OTAN? Hungria e Eslováquia não estão, pelo menos não com seus governos atuais, mas seria útil para todos os governos europeus fazerem uma declaração clara e pública sobre essa questão, considerando que, de acordo com a opinião pública, em quase todos os lugares, a maioria se opõe às posições tomadas por seus respectivos governos nacionais e gostaria que a Europa promovesse negociações de paz no conflito ucraniano.
Além disso, o único líder europeu que tomou medidas nessa direção, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, foi duramente atacado por toda a UE, que gostaria até de encontrar uma maneira de privar Budapeste de suas prerrogativas como presidente rotativa da União.
Como ficou imediatamente aparente, Orbán visitou Kyiv, Moscou, Pequim e Ancara como um "embaixador" para um plano de paz idealizado por Donald Trump, que, graças ao premiê húngaro, está apresentando sua agenda para acabar com o conflito se ele assumir o cargo na Casa Branca novamente. Enquanto as notícias vindas das frentes ucranianas devem levar a OTAN e a UE a negociar com Moscou (ou pelo menos se preparar para fazê-lo), os dois órgãos supranacionais operam na direção oposta, defendendo uma guerra total que nem os ucranianos nem os europeus podem manter.
"Eu entendo os desejos da Ucrânia, é um país soberano, mas a filiação da Ucrânia à OTAN é apenas uma garantia da Terceira Guerra Mundial", disse o Primeiro-Ministro Eslovaco Robert Fico. Confirmando que para encontrar algum senso comum nas nações-membro da OTAN e da UE é preciso olhar principalmente para a Europa Central hoje, o Presidente Croata Zoran Milanovic pediu a todos que não façam promessas à Ucrânia que não sejam capazes de cumprir. Referindo-se à declaração final da cúpula de Washington.
"A Ucrânia está ameaçada por uma crise econômica e demográfica muito séria . Devemos ser honestos com eles e não fazer promessas que não podemos cumprir. Dizem que o caminho da Ucrânia para a OTAN é irreversível, isso deve ser levado muito a sério, pois é algo vinculativo", disse o presidente croata, enfatizando que nos tempos perigosos em que vivemos "cada movimento e cada palavra" devem ser cuidadosamente considerados.
O senso comum também é encontrado do outro lado do Atlântico, onde mais de 60 acadêmicos e especialistas em política externa e defesa dos EUA escreveram uma carta aberta ao jornal online Politico pedindo à OTAN que não prometesse a adesão da Ucrânia, pois isso seria um tiro pela culatra para a aliança, "transformando a Ucrânia no local de um confronto prolongado entre as duas principais potências nucleares do mundo. Quanto mais a OTAN se aproxima de sua promessa de que a Ucrânia se juntará à aliança quando a guerra terminar, maior será o incentivo para a Rússia continuar lutando. Os desafios impostos pela Rússia podem ser administrados sem trazer a Ucrânia para a OTAN", afirma o documento.
Sugestões ignoradas pela maioria em uma cúpula onde nova ajuda militar foi prometida a Kyiv, incluindo cinco baterias de mísseis de defesa aérea e os caças F-16 de 40 anos desativados pela Bélgica, Holanda, Dinamarca e Noruega, mas apresentados como mais uma arma de solução, desafiando as opiniões divergentes de todos os especialistas militares.
Nada para se surpreender, afinal: em 2002, os think tanks econômicos mais relevantes alegaram que a Europa poderia se desligar suavemente da dependência energética da Rússia em 8/10 anos. Em vez disso, os líderes da UE tentaram fazer isso em apenas dois anos com danos sérios (altos preços de energia e desindustrialização para começar...), talvez irreversíveis, sem nem mesmo ter sucesso, já que em maio e junho deste ano o maior fornecedor de gás para a Europa ainda é a Rússia!
Na cúpula de Washington, Stoltenberg conseguiu aprovação para o plano de ajuda militar de US$ 40 bilhões à Ucrânia até o final de 2025 e para a nova missão da OTAN, que enviará 700 militares (os húngaros não participarão) com comando em uma base dos EUA na Alemanha para coordenar o treinamento das forças ucranianas e a entrega de ajuda militar.
Este é o primeiro envolvimento direto da OTAN no conflito, já que até agora eram estados individuais lidando com o apoio a Kyiv sinergicamente ou por conta própria. Além disso, os EUA implantarão a partir de 2026 na Alemanha mísseis de cruzeiro capazes de atingir o território russo em minutos e mísseis antimísseis de última geração. Uma decisão recebida em Moscou com fortes protestos, mas que para o chanceler Olaf Scholz é "necessária e importante para garantir a paz".
Esta iniciativa, juntamente com o acordo que compromete a Itália, a Alemanha, a França e a Polônia a desenvolver e produzir mísseis de cruzeiro com alcance superior a 500 quilômetros, traz a Europa de volta ao nível de tensão com Moscou que ocorreu na década de 1980 com a implantação na Europa dos chamados "Euromissiles", o Pershing 2 de fabricação americana e o Tomahawk implantados em resposta aos SS-20s soviéticos. Armas com mais de 500 quilômetros de alcance posteriormente proibidas na Europa pelo Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF) de 1987, do qual os Estados Unidos se retiraram em 2019 após acusar Moscou de violá-lo ao implantar mísseis balísticos Iskander no enclave de Kaliningrado, por sua vez em resposta a novas bases de mísseis dos EUA na Polônia e na Romênia.
A cúpula da OTAN em Washington representa, portanto, um passo importante na escalada do confronto com a Rússia, iniciado em Bucareste em 2008 com o compromisso da OTAN de acomodar a Ucrânia e a Geórgia: quase uma declaração de guerra à Rússia.
Hoje, no entanto, a Aliança Atlântica está mirando uma escalada com a China também. Em tons excepcionalmente duros em relação a Pequim, a OTAN busca entendimentos com seus aliados Indo-Pacíficos (Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia) e declara no comunicado final da cúpula que não pode mais ignorar o apoio da China à guerra da Rússia na Ucrânia, bem como o aumento do fornecimento de munições da Coreia do Norte para Moscou.
Avaliações que confirmam a agora total e obtusa autorreferencialidade que alimenta a política de um Ocidente que arma a Ucrânia até os dentes, mas censura ajuda até então não comprovada que outras nações fornecem armas Moscou. Afinal, Stoltenberg nos lembrou que "a segurança da OTAN não é mais uma questão regional, mas global", e neste ponto também seria útil entender se os governos europeus, um por um, compartilham o início de um cabo de guerra com a China também.
A Itália também não recuou e enviou o porta-aviões Cavour, a fragata Alpino e cerca de 15 aeronaves para o Indo-Pacífico, onde estão participando de um exercício internacional em águas australianas e, posteriormente, de outra atividade semelhante em águas japonesas.
Em troca, os Estados Unidos e a OTAN apenas aceitaram simbolicamente o pedido repetido da Itália por mais atenção ao Flanco Sul da OTAN, cuja segurança foi, afinal, comprometida pelos nossos próprios "aliados" em 2011, graças ao apoio de Washington às Primaveras Árabes e à guerra na Líbia contra Muammar Gaddafi.
Na cúpula de Washington, foi decidido nomear um enviado especial para as relações com os países da região do Mediterrâneo, satisfazendo Giorgia Meloni. Itália e Espanha já estão na corrida por esse posto, o que, aliás, certamente não é um compromisso para a OTAN, que continua a olhar exclusivamente para o Flanco Oriental e para aquela inclusão (mais cedo ou mais tarde) da Ucrânia que já está sendo chamada de "irreversível", embora, como é bem sabido, irreversível seja apenas a morte. Para ser preciso.
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