Deflação incipiente expõe os problemas econômicos da China
A deflação emergente na China traça uma linha escura sob os muitos, muitos problemas dessa economia.
20/12/2023 por Milton Ezrati
Tradução: César Tonheiro
Nada é tão dramaticamente revelador como os problemas econômicos da China ante a incipiente deflação.
Há dois meses que os preços ao consumidor chineses caíram, de modo que, em novembro, o período mais recente para o qual existem dados disponíveis, estavam cerca de 0,5% abaixo dos níveis de há 12 meses. Os preços no que o departamento de estatísticas da China chama de “porta da fábrica” – o equivalente aos preços ao produtor dos EUA – caíram 3,0% nos últimos 12 meses.
Não são números grandes, todavia são reveladores. Os americanos, estressados como estão pela inflação, poderão receber bem essas notícias. Ainda assim, qualquer tipo de deflação sinaliza problemas – para a China, oferta excessiva de produtos inadequados, procura insuficiente e um ambiente financeiro tenso – nada que qualquer economia deseja.
Embora a maior parte da culpa por esta situação recaia sobre Pequim, nem tudo deve ser atribuído a ela. Uma é a situação no exterior. Majoritariamente independentes de Pequim, os dois maiores mercados para as exportações chinesas reduziram drasticamente as suas compras. A Europa está praticamente em recessão e os Estados Unidos, embora ainda apresentem aspectos de saúde econômica, certamente diminuíram face ao ritmo de crescimento do início deste ano. As compras de produtos chineses também arrefeceram porque Bruxelas e Washington demonstraram uma hostilidade acentuada ao comércio com a China.
Os Estados Unidos falam em “dissociar” a sua economia da China, enquanto a Europa fala em “diminuir o risco”, mas na prática, são a mesma coisa. As empresas dos EUA e da Europa estão cada vez mais se abastecendo em locais fora da China, e os fluxos de investimento do Ocidente, bem como do Japão, para a China diminuíram.
Num aspecto crucial da economia da China, tais fardos não teriam como obter alívio interno. Ainda assim, a extensão da vulnerabilidade da China ao declínio das exportações é em grande parte culpa de Pequim. Durante anos, o Fundo Monetário Internacional (FMI) aconselhou Pequim a diversificar o seu esforço econômico para reduzir as exportações e estimular o consumo interno, especialmente nos serviços. Pequim falou muito sobre fazer esse ajuste. Ainda assim, o fato é que os seus planejadores continuaram a favorecer e a canalizar recursos econômicos – terra, trabalho e capital – para as exportações. Agora que os principais mercados dos Estados Unidos e da Europa recuaram, a economia da China está sofrendo mais com a perda de vendas do que teria se Pequim tivesse feito os ajustes de que ela e o FMI falaram.
Atacadistas e fabricantes que perderam os seus negócios no exterior tentaram, compreensivelmente, transferir alguns dos seus produtos para o mercado interno chinês. Obtiveram apenas resultados modestos, em parte porque os tipos de produtos adequados para exportação não são adequados para o mercado interno.
Se os planejadores tivessem feito a mudança recomendada pelo FMI e endossada na retórica de seus líderes, as empresas chinesas estariam no bom caminho para o ajuste de que agora necessitam desesperadamente. Mas como não ocorreu, uma mudança repentina de produtos para o mercado interno, especialmente a combinação de artigos inadequados, contribuiu para a deflação emergente, que, por sua vez, chamou a atenção para esta incapacidade de fazer os ajustes necessários.
Porém isto não é tudo. A deflação também reflete e, portanto, chamou a atenção para os problemas econômicos trazidos pelo peso da dívida incobrável sobre as finanças chinesas. O colapso das incorporadoras imobiliárias chinesas e o excesso de dívida entre os governos locais deixaram as instituições financeiras chinesas, privadas e estatais, privadas de recursos para financiar os tipos de projetos que ajudariam a economia a crescer a nível interno.
Pior ainda, o colapso do setor imobiliário residencial criou uma queda nos valores imobiliários e, com ela, um declínio no patrimônio líquido da classe média chinesa, outrora em rápido crescimento. Acrescente-se a isso as incertezas entre as famílias chinesas que perderam rendimentos face ao longo período de confinamentos associados à política de COVID-zero de Pequim. Consequentemente, as famílias reduziram as suas despesas, cuja queda no consumo abrandou o ritmo do crescimento econômico e, claro, também contribuiu para o surgimento da deflação.
Entretanto, o líder do Partido Comunista Chinês (PCC), Xi Jinping, fez o seu máximo para travar a economia. Durante anos antes da pandemia e mesmo durante esse período difícil, ele repreendeu as empresas privadas chinesas, grandes e pequenas, acusando-as de trabalhar contra o povo chinês, perseguindo lucros em vez de apoiar a agenda do PCC. Ele usou o poder do governo para negar às empresas financiamento para a expansão e, ao fazê-lo, cortou uma fonte de crescimento e emprego que de outra forma teria existido.
Não surpreende, portanto, que as empresas privadas na China sejam cautelosas em gastar no desenvolvimento e na expansão. De acordo com o Gabinete Nacional de Estatísticas de Pequim, o investimento acumulado em ativos fixos pela indústria primária privada caiu cerca de 10,6% nos últimos 12 meses. Este déficit não só reduziu a procura e contribuiu para a deflação, como também freou o ritmo que a China poderia ter ajustado a economia para longe de sua dependência das exportações. Há uma certa ironia no fato da dura retórica de Xi a favor da agenda comunista ter tornado a China mais vulnerável aos Estados Unidos e à Europa.
Não é uma situação animadora. Nos próximos um ou dois meses, Pequim poderá afirmar ter atingido a sua meta de 5% de crescimento real para 2023. Se fizer tal afirmação, haverá muita especulação legítima – dentro e fora da China – sobre como o Ministério de Estatísticas criou os números para fazer o PCC parecer bem na fita. Não seria a primeira vez. Se Pequim estabelecer novamente uma meta de crescimento real de 5% para 2024, as coisas sugerem que alcançá-la envolverá uma grande dose de ilusionismo estatístico [se supõe que nem mesmo o famoso Mister M será capaz de desvendar tamanha mandrakaria].
As opiniões expressas neste artigo são opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times.
Milton Ezrati é editor colaborador do The National Interest, afiliado do Centro para o Estudo do Capital Humano da Universidade de Buffalo (SUNY), e economista-chefe da Vested, uma empresa de comunicações com sede em Nova York. Antes de ingressar na Vested, ele atuou como estrategista-chefe de mercado e economista da Lord, Abbett & Co. Ele também escreve frequentemente para o City Journal e bloga regularmente para a Forbes. Seu último livro é “Trinta amanhãs: as próximas três décadas de globalização, demografia e como viveremos”.
https://www.theepochtimes.com/opinion/now-deflation-speaks-to-chinas-economic-woes-5550163