Há um preço a pagar quando a Igreja dispensa suas tradições
A aparente abertura do Vaticano em abrir mão de alguns de seus antigos privilégios institucionais corre o risco de reduzir a Igreja ao status de apenas mais uma organização secular.
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NATIONAL CATHOLIC REGISTER
Andréa Gagliarducci - 19 AGO, 2024
Em 8 de agosto, o Papa Francisco recebeu José-Lluis Serrano Pentalant, bispo coadjutor de Urgell, em audiência. No papel, parecia apenas mais uma visita com um dos muitos bispos recém-eleitos do mundo. Mas havia algo mais interessante sobre esse encontro.
O bispo de Urgell é, junto com o presidente da República Francesa, também copríncipe do pequeno estado de Andorra, um pequeno enclave entre a França e a Espanha nos Pireneus.
O bispo Serrano, vindo das fileiras da Secretaria de Estado, é catalão, uma pré-condição essencial para entender genuinamente a Diocese de Urgell e a situação particular que existe com Andorra. Significativamente, ele está assumindo a diocese após apenas alguns meses de aprendizado como coadjutor do bispo Joan Enric Vives i Sicilia, que atingiu a idade de aposentadoria em 24 de julho.
O contexto mais amplo é que Andorra tem um primeiro-ministro assumidamente gay, e há um forte impulso em andamento lá para legalizar o aborto. Por causa deste último fato, alguns sugeriram que a Santa Sé aceite uma mudança na constituição andorrana que permitiria que o direito do bispo de Urgell de ser co-príncipe de Andorra caducasse, porque o Vaticano não quer ser parte dessa legalização.
Mas a Santa Sé realmente tem que abrir mão de um título honorário para finalmente estar em paz com o mundo? A Santa Sé realmente tem que abandonar tradições antigas, ainda que centenárias, para cumprir sua missão na sociedade?
Essa disposição de abrir mão de direitos tradicionais aparentemente esotéricos não é um imperativo contemporâneo necessário, como ilustra o exemplo da França.
Apesar de seu secularismo profundamente arraigado, a República Francesa manteve tanto seu próprio status de co-príncipe quanto seu direito tradicional de conferir o chapéu vermelho a novos cardeais que são residentes em solo francês. Além disso, o presidente da França continua sendo um cônego da Basílica de São João de Latrão, um direito herdado da realeza francesa.
No entanto, a Igreja Católica, sob o comando do Papa Francisco, prefere quebrar algumas tradições antigas, evitando-as quando podem parecer controversas ou esvaziando-as de significado em nome da renovação.
Por exemplo, o Papa Francisco mudou o protocolo do Vaticano para encontros com os chefes de estado, consentindo que divorciados e recasados possam visitá-lo com seu novo cônjuge. Antes dessa mudança, o segundo cônjuge era introduzido mais tarde e não era considerado parte da delegação, porque o Papa não pode reconhecer um casamento que quebrou um voto sacramental e ainda é válido aos olhos da Igreja. Esse afastamento da tradição aconteceu logo no início do pontificado, a primeira vez que o então presidente argentino Mauricio Macri visitou o Papa Francisco. Mais recentemente, o Papa sinalizou interesse em mudar o rito para os funerais papais.
A abertura do Vaticano em abrir mão desses tipos de privilégios institucionais corre o risco de reduzir a Igreja ao status de ser meramente outra agência secular e pode ser interpretada como um reconhecimento de que as autoridades mundanas têm mais autoridade do que a Igreja. Podemos ver essa impressão da Igreja se desenrolando no caso da mulher belga que entrou com uma queixa legal contra a Igreja porque ela negou seu acesso ao diaconato e ganhou seu caso, como se a Igreja fosse apenas mais um local de trabalho.
No entanto, seguir esse caminho compromete a capacidade da Igreja de evangelizar efetivamente porque ela não entende mais seu papel único no mundo. Isso, por sua vez, tem o efeito não intencional de alimentar ainda mais o apoio ao movimento tradicionalista, porque ele retém um melhor senso da identidade e da história do catolicismo.
Renovar a Igreja não precisa significar abandonar seu passado e sucumbir às realidades seculares. A grande preocupação, porém, é que os grandes velhos capazes de liderar a Igreja dessa forma estão se aposentando, um após o outro.