Influência da China no Panamá sob escrutínio após Trump emitir alerta sobre canal
O presidente panamenho José Raúl Mulino respondeu dizendo que "cada metro quadrado do Canal do Panamá" pertence ao Panamá
23.12.2024 por Frank Fang
Tradução: César Tonheiro
O comentário do presidente eleito Donald Trump no início desta semana sobre os Estados Unidos potencialmente recuperando o controle do Canal do Panamá trouxe atenção renovada para a crescente influência da China comunista no país latino-americano.
O Canal do Panamá, inaugurado em 1914 após 10 anos de construção pelos Estados Unidos, foi devolvido ao Panamá sob um acordo de 1977 assinado pelo presidente Jimmy Carter. Em 1999, o Panamá assumiu o controle total do canal, que agora é uma das rotas marítimas mais movimentadas do mundo, conectando o Oceano Pacífico e o Mar do Caribe.
Trump acessou sua conta no Truth Social em 21 de dezembro para criticar o Panamá por cobrar "preços e taxas de passagens exorbitantes" para embarcações navais e comerciais dos EUA que passam pelo canal, ao mesmo tempo em que expressou preocupações sobre a crescente influência do regime chinês na hidrovia.
"Era exclusivamente para o Panamá administrar, não a China ou qualquer outra pessoa", escreveu Trump.
Se o Panamá não puder garantir "a operação segura, eficiente e confiável" da hidrovia, os Estados Unidos "exigirão que o Canal do Panamá seja devolvido a nós, na íntegra e sem questionamento", acrescentou.
O presidente panamenho, José Raúl Mulino, respondeu aos comentários de Trump dizendo que o canal não é controlado pela China, Europa, Estados Unidos ou qualquer outra potência que não seja seu país.
"Cada metro quadrado do Canal do Panamá e sua área adjacente pertencem ao Panamá e continuarão a ser", escreveu Mulino na plataforma de mídia social X em 22 de dezembro.
Trump respondeu à objeção de Mulino no Truth Social no mesmo dia, escrevendo: "Vamos ver sobre isso!"
'Um caminho diferente a seguir'
O acordo de 1977 consiste em dois tratados: o Tratado Relativo à Neutralidade Permanente e Operação do Canal do Panamá, também conhecido como Tratado de Neutralidade, e o Tratado do Canal do Panamá.
O Tratado de Neutralidade estipula que os Estados Unidos podem usar sua força militar para proteger o Canal do Panamá de qualquer ameaça à sua neutralidade, essencialmente permitindo que os Estados Unidos usem perpetuamente a hidrovia.
Brent Sadler, pesquisador sênior da The Heritage Foundation, escreveu em um post X em 22 de dezembro que as "preocupações dos EUA sobre o acesso seguro a esta hidrovia vital têm mérito".
"Afinal, não é segredo que a China controla os portos em ambas as extremidades do canal", disse Sadler.
O ex-deputado Matt Gaetz (R-Flórida) escreveu no X: "Não estamos retomando o canal do Panamá. Estamos retomando da China."
O estrategista político conservador Joey Mannarino disse no X que Trump "está oferecendo um caminho diferente a seguir" em relação ao canal.
"É por isso que gostei da escolha de [Marco] Rubio como secretário de Estado", afirmou.
No mês passado, Trump nomeou Rubio, um falcão de longa data da China, para secretário de Estado.
Rubio, que visitou o Panamá em maio de 2018, já havia compartilhado suas preocupações sobre a influência do Partido Comunista Chinês (PCC) no canal.
O canal é "uma importante rota de trânsito para interceptar atividades ilícitas, mas o canal está cercado por #empresas PCC", escreveu Rubio no X em agosto de 2022.
"Devemos continuar a deixar claro que o Panamá é um parceiro importante e alertar contra as tentativas do PCC de estabelecer uma posição em nossa região", escreveu ele.
Laços PCC-Panamá
O PCC começou a ganhar uma posição no Panamá antes mesmo de o canal construído pelos EUA ser totalmente entregue ao controle panamenho em 31 de dezembro de 1999.
Em 1997, o Panamá concedeu uma licença à Hutchison Ports PPC, uma divisão da empresa Hutchison-Whampoa, com sede em Hong Kong, para operar o porto de Balboa, no lado do Pacífico, e o porto de Cristóbal, na entrada atlântica do canal. Após uma fusão em 2015, a Hutchison-Whampoa agora é conhecida como CK Hutchinson Holdings.
Em 2021, sob o então presidente panamenho Laurentino Cortizo, a Autoridade Marítima do Panamá renovou a concessão com a Hutchinson Ports PPC por mais 25 anos.
O antecessor de Cortizo, Juan Carlos Varela, que atuou como presidente de 2014 a 2019, tomou várias decisões para fortalecer os laços do país com o regime chinês.
Em junho de 2017, o Panamá cortou laços diplomáticos com Taiwan, uma ilha autônoma que o PCC afirma fazer parte de seu território. A decisão atraiu críticas do Ministério das Relações Exteriores de Taiwan, que acusou Varela de sucumbir à pressão econômica de Pequim.
Cinco meses depois, o Panamá se tornou o primeiro país latino-americano a aderir à controversa Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt & Road Initiative, vulgo BRI) do PCC, uma estratégia global de infraestrutura que, segundo os críticos, coloca os países em desenvolvimento em "armadilhas de dívida" com o regime.
Um consórcio formado por empresas estatais chinesas recebeu um contrato de US$ 1,42 bilhão sob a BRI para construir uma quarta ponte sobre o Canal do Panamá em 2018, de acordo com a mídia estatal da China.
Em dezembro de 2018, durante uma viagem ao exterior, o líder do PCC, Xi Jinping, encontrou-se com Varela no Panamá. Os dois líderes assinaram vários acordos de cooperação comercial, de infraestrutura, bancários, educacionais e de turismo.
A gigante chinesa de tecnologia Huawei, cujos equipamentos de comunicação foram proibidos nos Estados Unidos por motivos de segurança nacional, estabeleceu um centro de distribuição regional na Zona Franca de Colón, na entrada atlântica do canal, em 2015.
Quando Varela visitou a China em 2017, o ex-presidente panamenho também se encontrou com o fundador da Huawei, Ren Zhengfei, de acordo com o site da empresa.
Ren é ex-diretor da Academia de Engenharia da Informação do departamento de estado-maior do Exército Popular de Libertação.
Em abril, a Comissão de Supervisão e Administração de Ativos do Conselho de Estado da China informou em seu site que o Terminal de Cruzeiros de Amador (cidade), no Panamá, havia começado a operar recentemente.
O terminal, construído pela China Harbour Engineering Co. na Ilha Perico, na entrada do Pacífico do canal, pode se tornar um "centro vital para a rotação de navios de cruzeiro e trânsito de passageiros na América Central e do Sul", disse a comissão.
A general do Exército dos EUA Laura Richardson, ex-comandante do Comando Sul dos EUA, disse em sua declaração de postura em março que as empresas estatais da China "continuam a licitar projetos relacionados ao Canal do Panamá".
O advogado do Panamá Alonso Illueca, especialista em direito internacional, escreveu que o controle da China sobre os portos de Balboa e Cristóbal "é apenas parte da influência exercida por um ator disruptivo".
"Atualmente, a China e o PCC têm um nível significativo de influência no nível político e até influenciam ativamente os valores e princípios da política externa", escreveu ele, em um relatório de 2023 que analisa a influência do regime chinês no país latino-americano.
Illueca disse que o Panamá deve reconhecer seus interesses estratégicos, reavaliar seu relacionamento com Pequim e perceber que o PCC "é um ator que tende a tirar vantagem e explorar as fraquezas estratégicas de outras nações".
Frank Fang é um jornalista baseado em Taiwan. Ele cobre notícias dos EUA, China e Taiwan. Ele possui mestrado em ciência dos materiais pela Universidade de Tsinghua, em Taiwan.