Niall Ferguson: A traição dos intelectuais
Qualquer pessoa que tenha uma crença ingênua no poder do ensino superior para incutir moralidade não estudou a história das universidades alemãs no Terceiro Reich.
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By Niall Ferguson December 10, 2023
Tradução: Heitor De Paola
Em 1927, o filósofo francês Julien Benda publicou La trahison des clercs – “A Traição dos Intelectuais” – que condenou a descida dos intelectuais europeus ao nacionalismo e ao racismo extremos. Nessa altura, embora Benito Mussolini estivesse no poder na Itália há cinco anos, Adolf Hitler ainda estava a seis anos do poder na Alemanha e a 13 anos da vitória sobre a França. Mas Benda já conseguia perceber o papel pernicioso que muitos acadêmicos europeus desempenhavam na política.
Aqueles que deveriam estudar a vida da mente, escreveu ele, inauguraram “a era da organização intelectual dos ódios políticos”. E esses ódios já estavam a passar do domínio das ideias para o domínio da violência – com resultados que seriam catastróficos para toda a Europa.
Um século mais tarde, a academia americana seguiu na direcção política oposta – para a esquerda em vez de para a direita – mas acabou praticamente no mesmo lugar. A questão é se nós – ao contrário dos alemães – podemos fazer algo a respeito.
Durante quase dez anos, tal como Benda, fiquei maravilhado com a traição dos meus colegas intelectuais. Também testemunhei a vontade de administradores, doadores e antigos alunos em tolerar a politização das universidades americanas por uma coligação iliberal de progressistas “woke”, adeptos da “teoria racial crítica” e apologistas do extremismo islâmico.
Durante todo esse período, amigos me garantiram que eu estava exagerando. Quem poderia se opor a mais diversidade, equidade e inclusão no campus? De qualquer forma, as universidades americanas não foram sempre de tendência esquerdista? Seriam minhas preocupações apenas mais um sinal de que eu era o tipo de conservador que não tinha futuro real na academia?
Tais argumentos desmoronaram depois de 7 de Outubro, quando a resposta de estudantes e professores “radicais” às atrocidades do Hamas contra Israel revelou as realidades da vida universitária contemporânea. É agora impossível negar que a hostilidade à política israelense em Gaza descamba regularmente para o anti-semitismo.
Não consigo parar de pensar no filho de um amigo judeu, que é estudante de graduação em uma das faculdades da Ivy League. Ainda esta semana, ele foi até a mesa que lhe foi designada e encontrou, cuidadosamente colocada sob o teclado do computador, uma nota com as palavras “ZIONISTA KIKE!!!” em letras vermelhas e verdes. (N. do T.: kike, forma ofensiva de chamar os judeus)
Tão perturbadores como estes incidentes – e há demasiados para serem relatados – têm sido as respostas sombriamente confusas dos líderes universitários.
Ao testemunhar perante o House Committee on Education and the Workforce da Câmara na semana passada, a presidente de Harvard, Claudine Gay, a presidente do MIT, Sally Kornbluth, e a presidente da Universidade da Pensilvânia, Elizabeth Magill, mostraram que foram bem informados pelos advogados que as suas universidades contratam para tais ocasiões.
Eles deram explicações tecnicamente corretas sobre como as regras da Primeira Emenda se aplicam em seus campi – se é que se aplicavam. Sim, o contexto é importante. Se tudo o que os alunos fizessem fosse entoar “Do rio ao mar”, esse discurso seria protegido, desde que não houvesse ameaça de violência ou “assédio discriminatório”.
Mas a razão pela qual as respostas cuidadosamente formuladas por Claudine Gay na terça-feira enfureceram seus críticos não é porque elas eram tecnicamente incorretas, mas porque estavam claramente em desacordo com seu histórico – especificamente seu histórico como reitora da Faculdade de Artes e Ciências nos anos de 2018– 2022, quando Harvard estava caindo para o último lugar no ranking de liberdade de expressão nas faculdades.
O assassinato de George Floyd aconteceu quando Gay era reitora. Seis dias após a morte de Floyd, ela publicou uma declaração sobre o assunto que sugere que ela se sentiu pessoalmente ameaçada pelos acontecimentos na distante Minneapolis. A morte de Floyd, escreveu ela, ilustrou “a brutalidade da violência racista neste país” e deu-lhe uma “aguda sensação de vulnerabilidade”. Ela foi “lembrada, mais uma vez, de como até mesmo nossas atividades mais mundanas [isto é, dos negros americanos], como correr. . . pode acarretar riscos excessivos. No momento em que tudo que quero fazer é pegar meu filho adolescente nos braços, estou dolorosamente consciente de quão pouco abrigo isso oferece.” Em nada do que Gay disse na terça-feira passada ela parecia consciente de que os estudantes judeus poderiam ter sentido o mesmo depois de 7 de outubro.
Num memorando ao corpo docente em 20 de agosto de 2020, ela escreveu: “Os apelos por justiça racial ouvidos em nossas ruas também ecoam em nosso campus, à medida que levamos em conta nossas deficiências individuais e institucionais e a responsabilidade compartilhada de nosso corpo docente de fazer valer a verdade. sobre os efeitos perniciosos da desigualdade estrutural.” Gay continuou: “Este momento oferece uma oportunidade profunda para mudanças institucionais que não deve nem pode ser desperdiçada. . . . Escrevo hoje para compartilhar meu compromisso pessoal com este projeto transformacional e os primeiros passos que a FAS dará para avançar nesta importante agenda no próximo ano.”
Como argumentou acertadamente o grande sociólogo alemão Max Weber no seu ensaio de 1917 sobre “A Ciência como Vocação”, o ativismo político não deveria ser permitido numa sala de conferências “porque o profeta e o demagogo não pertencem à plataforma acadêmica.
” Este foi também o argumento do Relatório Kalven de 1967 da Universidade de Chicago de que as universidades devem “manter a independência das modas, paixões e pressões políticas”.
Esta separação entre estudos e política tem sido totalmente desconsiderada nas principais universidades americanas nos últimos anos. Em vez disso, as nossas escolas de maior elite abraçaram o tipo de “mudança institucional” que Gay defendeu. Veja aonde isso nos levou.
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Poderíamos considerar extraordinário que as universidades mais prestigiadas do mundo tivessem sido infectadas tão rapidamente por uma política imbuída de anti-semitismo. No entanto, exatamente a mesma coisa aconteceu antes.
Há cem anos, na década de 1920, as melhores universidades do mundo estavam, de longe, na Alemanha. Em comparação com Heidelberg e Tübingen, Harvard e Yale eram clubes de cavalheiros, onde os estudantes prestavam mais atenção ao futebol do que à física. Mais de um quarto de todos os prêmios Nobel atribuídos nas ciências entre 1901 e 1940 foram atribuídos a alemães; apenas 11% foram para americanos. Albert Einstein atingiu o auge de sua profissão não em 1933, quando se mudou para Princeton, mas de 1914 a 1917, quando foi nomeado professor da Universidade de Berlim, diretor do Instituto Kaiser Wilhelm de Física, e como membro do Academia Prussiana de Ciências. Mesmo os melhores cientistas produzidos por Cambridge sentiram-se obrigados a cumprir uma missão na Alemanha.
Contudo, o professorado alemão tinha uma fraqueza fatal. Por razões que remontam à fundação do Reich Bismarckiano ou talvez ainda mais na história da Prússia, os alemães com formação acadêmica estavam invulgarmente dispostos a prostrar-se diante de um líder carismático, na crença de que só um tal líder poderia preservar a pureza do país, o projeto nacionalista alemão.
Os progressistas de hoje praticam o racismo em nome da diversidade. Os acadêmicos nacionalistas da Alemanha entre guerras foram, pelo menos, abertos sobre o seu desejo de homogeneidade e exclusão.
Marianne Weber recordou como, na sequência da Revolução de 1918, o seu marido Max explicou a sua teoria da democracia ao antigo comandante militar supremo, General Erich Ludendorff:
Weber: Você acha que considero a Schweinerei que temos agora como uma democracia? (N. do T.: Schweinerei=bagunça)
Ludendorff: Qual é a sua ideia de democracia, então?
Weber: Numa democracia, o povo escolhe um líder em quem confia. Então o homem escolhido diz: “Agora fechem a boca e me obedeçam”. O povo e os partidos já não são livres de interferir nos negócios do líder.
Ludendorff: Eu gostaria de ter essa “democracia”.
Weber: Mais tarde, o povo poderá julgar. Se o líder cometeu erros, vá para a forca com ele!
O estudo de Rudy Koshar sobre a cidade universitária de Marburg, em Hesse, ilustra a forma como esta cultura conduziu a academia alemã em direção aos nazis. As fraternidades estudantis, principalmente protestantes, já excluíam os judeus da adesão antes da Primeira Guerra Mundial. Em março de 1920, no turbulento rescaldo da revolução que derrubou o regime imperial e estabeleceu a República de Weimar, um grupo paramilitar estudantil esteve envolvido num ataque assassino contra trabalhadores comunistas. Nas eleições nacionais realizadas quatro anos mais tarde, o Bloco Völkisch-Sozialer – do qual o antigo Partido Nazi (NSDAP) foi uma parte fundamental – obteve 17,7% dos votos de Marburg.
Os advogados e os médicos, todos credenciados com diplomas universitários, estavam substancialmente sobre-representados no NSDAP, tal como os estudantes universitários (então um setor muito mais restrito da sociedade do que hoje). Para advogados de meia-idade, Hitler era o herdeiro de Bismarck. Para os filhos, ele era o herói wagneriano Rienzi, o demagogo que une o povo de Roma.
Mesmo um homem que se considerava um liberal, como Max Weber certamente o fazia, era suscetível ao fascínio da liderança carismática quando a democracia nascente parecia tão fraca. Três anos após a morte de Weber em 1920, a Alemanha mergulhou numa desastrosa hiperinflação. Para muitos acadêmicos alemães, a nomeação de Hitler como chanceler em Janeiro de 1933 foi um momento de salvação nacional.
“Até a última e mais profunda fibra de mim mesmo, pertenço ao Führer e ao seu maravilhoso movimento”, escreveu o advogado nazista Hans Frank em seu diário após um concerto ao qual assistiu com Hitler em 10 de fevereiro de 1937. “Estamos em verdade, a ferramenta de Deus para a aniquilação das forças do mal da terra. Lutamos em nome de Deus contra os judeus e o seu bolchevismo. Deus nos proteja! Tais pensamentos ajudaram-no e a muitos outros advogados a aceitar a ilegalidade sistemática que caracterizou o regime desde o início.
Os acadêmicos alemães atuaram como grupo de reflexão de Hitler, dando corpo político aos ossos da sua ideologia racista. Já em 1920, o jurista Karl Binding e o psiquiatra Alfred Hoche publicaram a sua Permissão para a Destruição de Vida Indigna de Viver, que procurava extrapolar a partir do custo anual de manter um “idiota” “o enorme capital”. . . sendo subtraído do produto nacional para fins totalmente improdutivos.”
Há uma clara linha de continuidade entre este tipo de análise e o documento encontrado no asilo Schloss Hartheim em 1945, que calculava que em 1951 o benefício econômico de matar 70.273 pacientes mentais – assumindo um gasto médio diário de 3,50 Reichsmarks e uma esperança de vida de dez anos – seriam 885.439.800 Reichsmarks. Muitos historiadores foram um pouco melhores, produzindo justificações históricas tendenciosas para as reivindicações territoriais alemãs na Europa Oriental que implicavam deslocamento massivo da população, se não mesmo genocídio.
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Um fator crítico no declínio e queda das universidades alemãs foi precisamente o fato de muitos acadêmicos sêniores serem judeus. Para alguns, o anti-semitismo de Hitler foi, portanto – não muito diferente da interseccionalidade despertada no nosso tempo – uma oportunidade de carreira.
Para os acadêmicos alemães de herança judaica, especialmente aqueles que se casaram com gentios e se converteram ao cristianismo, foi desorientador.
O caso de Victor Klemperer, um convertido ao cristianismo casado com uma gentia, é ilustrativo. Veterano da Primeira Guerra Mundial, Klemperer foi nomeado professor de línguas e literatura românicas na Universidade de Tecnologia de Dresden em 1920. “Não sou nada além de um alemão ou europeu alemão”, escreveu Klemperer em seu diário, um dos testamentos mais esclarecedores do Pesadelo judeu alemão. Ao longo da década de 1930, ele sustentou que eram os nazistas que eram “não-alemães”. "Eu. . . sinto vergonha pela Alemanha”, escreveu ele depois que Hitler chegou ao poder. “Eu realmente sempre me senti alemão.”
No entanto, a atmosfera nas universidades alemãs tornou-se cada vez mais tóxica, mesmo para os judeus mais assimilados.
Em abril de 1933, ao abrigo da Lei para a Restauração da Função Pública Profissional, todos os funcionários públicos judeus, incluindo juízes, foram destituídos do cargo, seguidos um mês depois por professores universitários. Klemperer registrou sua reação agonizante em seu diário:
10 de março de 1933. . . . É impressionante como tudo desmorona facilmente. . . proibições selvagens e atos de violência. E com isso, nas ruas e no rádio, uma propaganda sem fim. No sábado. . . Ouvi uma parte do discurso de Hitler em Königsberg [a universidade da Prússia Oriental onde Immanuel Kant passou a vida]. . . Eu entendi apenas algumas palavras. Mas o tom! O berro untuoso, o berro de verdade. . . . Por quanto tempo manterei minha cátedra?
Klemperer conseguiu manter-se na cadeira por mais dois anos. Em 2 de maio de 1935, porém, o golpe caiu:
Na manhã de terça-feira, sem qualquer aviso prévio – duas folhas entregues pelo correio. “Com base no n.º 6 da Lei de Restabelecimento da Função Pública Profissional que possuo. . . recomendou sua demissão.”. . . No início, senti-me alternadamente estúpido e ligeiramente romântico; agora só há amargura e miséria.
Cinco meses depois, para piorar a situação, ele foi barrado da sala de leitura da biblioteca da universidade “por não ser ariano”. O que se seguiu foi uma espécie de redução implacável dos seus direitos como cidadão.
O anti-semitismo dos nazis levou, claro, a uma das maiores fugas de cérebros da história. Mais de 200 dos 800 professores judeus do país partiram, dos quais vinte eram ganhadores do Nobel. Albert Einstein já havia partido em 1933, enojado com os ataques nazistas à sua “física judaica”. O êxodo acelerou-se após o pogrom conhecido como a Kristallnacht, em Novembro de 1938. Os principais beneficiários da fuga de cérebros judaicos foram, naturalmente, as universidades dos Estados Unidos.
No entanto, para Klemperer, a emigração – muito menos para a Palestina, então um “mandato” britânico, mas também a localização do “lar nacional para o povo judeu” prometido pelo governo britânico em 1917 – estava fora de questão. Teria sido uma admissão de que os nazis tinham razão: que ele era de fato judeu, não alemão. Como ele disse: “Se agora forem criados estados especificamente judeus. . . isso seria deixar os nazistas nos fazer retroceder milhares de anos. . . . A solução para a questão judaica só pode ser encontrada na libertação daqueles que a inventaram.”
Foi este tipo de raciocínio que o convenceu e a muitos outros judeus a permanecer na Alemanha até que já não fosse possível sair. Alguns escolheram o suicídio – por exemplo, o linguista de Marburg, Hermann Jacobsohn, que se jogou debaixo de um trem. No final, Klemperer evitou a deportação para os campos de extermínio apenas por causa do bombardeio da Força Aérea Real em Dresden, em fevereiro de 1945, que lhe permitiu abandonar sua estrela amarela e permanecer discreto até a rendição alemã.
Ele permaneceu em Dresden após a ocupação da Alemanha Oriental. Não demorou muito para que ele começasse a notar semelhanças entre a linguagem da nova República Democrática Alemã apoiada pelos soviéticos e a do Terceiro Reich. Tal como Hannah Arendt e George Orwell, Klemperer compreendeu que o totalitarismo da direita e o totalitarismo da esquerda tinham características fundamentalmente semelhantes. Em particular, eles adoravam impor Novilíngua àqueles que subjugavam.
A academia alemã não-judia não apenas seguiu Hitler no caminho do inferno. Ela abriu o caminho. Alguns exemplos serão suficientes.
SS Oberführer Konrad Meyer, professor de agronomia na Universidade de Berlim, foi um dos especialistas que ajudou a elaborar o “Plano Geral Leste” (Generalplan Ost) de Heinrich Himmler que, na expectativa de vitória sobre a União Soviética, deveria se estender Assentamento alemão até Arcangelsk, no norte, e Astrakhan, no sul. A versão de Meyer propunha o estabelecimento de três vastos “assentamentos de manifestantes” com cerca de cinco milhões de colonos alemães. O destino dos povos que hoje vivem lá seria aniquilação ou limpeza étnica.
Em 1940, um estudante de pós-graduação chamado Victor Scholz apresentou uma tese de doutorado na Universidade de Breslau com o título “Sobre as Possibilidades de Reciclagem do Ouro da Boca dos Mortos”. Ele realizou suas pesquisas sob a supervisão do professor Herman Euler, reitor da Faculdade de Medicina de Breslau.
Em Auschwitz, o SS Gruppenführer Carl Clauberg, professor de ginecologia em Königsberg, procurou encontrar a forma mais eficiente de esterilizar as mulheres. Entre as técnicas que experimentou estava a injeção, sem anestesia, de substâncias cáusticas no útero de prisioneiras.
Qualquer pessoa que tenha uma crença ingênua no poder do ensino superior para incutir valores éticos não estudou a história das universidades alemãs no Terceiro Reich. Um diploma universitário, longe de vacinar os alemães contra o nazismo, tornou-os mais propensos a adotá-lo. A queda em desgraça das universidades alemãs foi personificada pela disponibilidade de Martin Heidegger, o maior filósofo alemão da sua geração, para aderir ao movimento nazi, com um distintivo de suástica na lapela. Ele foi membro do Partido Nazista de 1933 a 1945.
Mais tarde, depois de tudo terminado, o historiador Friedrich Meinecke tentou explicar “a catástrofe alemã” argumentando que a especialização técnica excessiva tinha feito com que alguns alemães instruídos (não ele, nem é preciso dizer) perdessem de vista os valores humanísticos de Goethe e Schiller. Como resultado, não conseguiram resistir ao “maquiavelismo em massa” de Hitler.
O romancista Thomas Mann – que, ao contrário de Meinecke, escolheu o exílio em vez da cumplicidade – foi invulgar ao ser capaz de reconhecer, mesmo naquela época, que, em “Irmão Hitler”, a elite educada alemã possuía um monstruoso irmão mais novo, cujo papel era articular e autorizar suas aspirações mais sombrias.
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O Holocausto continua a ser um crime histórico excepcional – distinto de outros atos de violência letal organizada dirigidos contra outras minorias – precisamente porque foi perpetrado por um Estado-nação altamente sofisticado que tinha dentro das suas fronteiras as melhores universidades do mundo. É por isso que as universidades americanas não podem considerar o anti-semitismo apenas como mais uma expressão de “ódio”, não diferente, digamos, da islamofobia – um neologismo que não deve ser mencionado ao mesmo tempo. É por isso que os padrões duplos de Claudine Gay – com a sua implicação de que os afro-americanos são de alguma forma mais merecedores de protecção do que os judeus – são tão indefensáveis.
É por isso que as mentes racionais recuam face ao seu argumento de que o antissemitismo no campus de Harvard é tolerável desde que não seja perpetrado genocídio.
Bem, a reação contra a nossa traição contemporânea dos intelectuais finalmente chegou.
Doadores como o executivo-chefe da Apollo, Marc Rowan (formado na Penn), o fundador da Pershing Square, Bill Ackman (Harvard), e o fundador da Stone Ridge, Ross Stevens (Penn), deixaram claro que seu apoio não estará mais disponível para instituições administradas desta forma.
No sábado, a presidente da Penn, Liz Magill, deixou o cargo, junto com o presidente do conselho de administração da Penn, Scott Bok. Talvez outros o sigam.
No entanto, será necessário muito mais do que algumas demissões de alto nível para reformar a cultura das universidades de elite da América. Está demasiado enraizado em vários departamentos, todos dominados por um corpo docente titular, para não falar dos exércitos de oficiais do DEI e do Título IX que parecem, em algumas faculdades, agora superar o número de estudantes de graduação.
Em La trahison des clercs, Julien Benda acusou os intelectuais do seu tempo de se envolverem “nas paixões raciais, nas paixões de classe e nas paixões nacionais. . . devido ao qual os homens se levantam contra outros homens”. Os líderes acadêmicos de hoje nunca se reconheceriam como herdeiros daqueles que Benda condenou, insistindo que estão à esquerda, enquanto os alvos de Benda estavam à direita. E, no entanto, como Victor Klemperer compreendeu depois de 1945, o totalitarismo tem dois sabores, embora os ingredientes sejam os mesmos.
Só se as outrora grandes universidades americanas conseguirem restabelecer – em toda a sua estrutura – a separação entre Wissenschaft e Politik é que poderão ter a certeza de evitar o destino de Marburg e Königsberg.
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Niall Ferguson is a trustee of the University of Austin, as well as Milbank Family Senior Fellow at the Hoover Institution, Stanford. He is the author of, among many works, The War of the World: History’s Age of Hatred (Penguin).