O cérebro de Yahya Sinwar
O tumor real dentro de Sinwar era um tumor espiritual que invadiu suas células cerebrais e o transformou em uma força maligna com um desrespeito cruel pela vida humana, tanto judaica quanto palestina
David Suissa, 19/10/2024
Tradução e Comentário: Heitor De Paola
A eliminação do líder do Hamas Yahya Sinwar, o cérebro impenitente do dia mais negro da história de Israel, trouxe um suspiro coletivo de alívio. A personificação humana do mal agora se foi.
Sinwar era especialmente maligno porque sacrificou as vidas de seu próprio povo a serviço de sua missão sagrada: eliminar o estado judeu, uma missão que o próprio Sinwar reafirmou em uma conferência de 2021 na Cidade de Gaza.
Quando vi imagens recentemente divulgadas de Sinwar de moletom e camiseta carregando suprimentos em um túnel de Gaza com sua esposa e filhos, houve uma estranha desconexão. Ele parecia um pai comum. Isso foi na véspera de 7 de outubro, e o homem estava claramente se preparando para o inevitável contra-ataque das forças israelenses.
Havia um olhar um tanto sério em seu rosto, como se dissesse: "Ei, vamos nos certificar de que estamos bem escondidos e protegidos." Sinwar sabia, é claro, que havia centenas de quilômetros de túneis semelhantes em Gaza, abaixo de escolas, casas, hospitais e mesquitas, que tornariam a luta miserável para os soldados israelenses que tentavam erradicar milhares de terroristas bem armados do Hamas.
Talvez ele não tenha previsto a ferocidade de um exército que se sentia humilhado pela maior falha de segurança de sua história; um exército que precisava desesperadamente reconquistar a confiança de seu povo e a dissuasão em relação a seus inimigos.
Sinwar pode ter racionalizado seus atos malignos convencendo a si mesmo de que estava fazendo o trabalho de Deus, mas eu subestimei sua capacidade de martírio. Eu sempre presumi que, quando a situação apertasse, ele libertaria os reféns em troca de uma passagem segura para sair de Gaza com sua família.
Mas quando a coisa ficou feia, ele jogou um pedaço de pau em um drone israelense. Esse foi o ato final desesperado de um assassino em massa desafiador que, em seu último suspiro, escolheu o outro mundo em vez de um Ritz Carlton em Doha.
Duas coisas me impressionaram quando vi a imagem triste de Sinwar sentado sozinho em ruínas abandonadas com o rosto coberto.
Primeiro, ele devia estar com muita dor, já que sua mão direita foi arrancada em um tiroteio anterior com as forças israelenses.
E dois, pensei no cérebro dentro de sua cabeça coberta.
Em 2008, enquanto estava preso na Prisão de Eshel, em Israel, Sinwar desenvolveu um tumor cerebral. Um cirurgião israelense operou o tumor e salvou sua vida. Três anos depois, ele foi libertado junto com mais de 1.000 prisioneiros palestinos em troca do refém Gilad Shalit.
O homem que orquestrou o dia 7 de outubro devia sua vida e sua liberdade às pessoas que ele sonhava destruir.
O cirurgião israelense que operou Sinwar não viu o cérebro de um terrorista. Ele viu o mesmo órgão humano que ele normalmente vê, com um tumor que precisava ser extirpado. E ele o tratou como trataria qualquer outro paciente.
Sempre tive esse estranho fascínio pelo simples fato de que todos os seres humanos compartilham os mesmos órgãos; que um terrorista tem o mesmo coração pulsante de um ser humano virtuoso que visa apenas fazer o bem.
Todos nós compartilhamos o mesmo pâncreas, vasos sanguíneos, pulmões, fígado, rins e intestinos. Nossos atos podem ser diferentes, mas por dentro somos feitos do mesmo material. Os assassinos do Hamas que devastaram casas israelenses em 7 de outubro estavam usando os mesmos olhos e ouvidos que as vítimas aterrorizadas que ouviram seus sons e viram a matança alcançá-los.
O que guia nossos atos é um órgão – nossos cérebros – e como escolhemos nutrir esses cérebros. Alimente-os com ódio puro e um desejo de destruir e um massacre como o de 7 de outubro parecerá perfeitamente apropriado.
O tumor real dentro de Sinwar não era físico. Era um tumor espiritual que invadiu suas células cerebrais e o transformou em uma força maligna com um desrespeito cruel pela vida humana, tanto judaica quanto palestina.
Para esse tipo de tumor, a única operação é eliminar o resto do corpo antes que ele parta para outra missão.
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COMENTÁRIO DO EDITOR:
O Autor aparenta desconhecer o fato de que não é o cérebro que comanda nossas vidas, ações e sentimentos, mas algo que o transcende: a mente ou psiquê ou como usava o descobridor, a alma. Coincidentemente foi um judeu quem descobriu o inconsciente reprimido que independe de atividades cerebrais, Sigmund Freud. Freud, que antes se dedicara à neurofisiologia, usava a palavra alemã seele, alma, que os tradutores para o Inglês para tornar a psicanális mais “científica” segundo seu tradicional empirismo, traduziram por mind. O que modificou profundamente a descoberta de Freud, pois o empirismo sustenta que todo conhecimento provém da experiência, e que não existem ideas inatas, nem verdades a priori sobre o mundo. Também foi Freud que descobriu que há dois instintos básicos no ser humano: o de vida e o de morte e que já nascemos inexoravelmente com ambos. O instinto de vida é de onde nasce o amor, por si mesmo e pelos demais, o de morte é o que comanda pessoas como Sinwar e todos os terroristas e as ideias delirantes de martírio, virgens celestiais, etc., não passam de auto engano.
HEITOR DE PAOLA
Psicanalist (ret.)
https://jewishjournal.com/commentary/columnist/editors-note/375955/yahya-sinwars-brain/