O confronto entre Trump e o Fed
Tradução: Heitor De Paola
Comentário
O movimento popular para questionar a destreza do Fed na gestão do dinheiro do país cresce há décadas, com inúmeros livros e artigos e evidências crescentes de que algo deu muito errado. Com as críticas explícitas do governo Trump e até mesmo as ameaças de demitir o presidente, agora atenuadas, entramos numa nova era.
Não é mais o assunto intocável.
Já estava na hora.
O Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) foi criado em 1913. Se você entende a política e a cultura intelectual americana da época, consegue entender o pensamento. Passamos por várias décadas de crescimento econômico impressionante, marcado por enormes avanços tecnológicos em iluminação, transporte, metalurgia, energia, comunicações e aviação. Tudo aconteceu de uma só vez e causou aumentos drásticos no padrão de vida.
A grande questão do dia era: por que tudo isso aconteceu de uma só vez? Tenho minhas próprias respostas para essa pergunta, que se relacionam com liberdade, comércio e acumulação de capital. Uma explicação mais fácil, embora menos sofisticada, e defendida pelos pensadores mais respeitados, era a de uma engenharia melhor apoiada pela ciência. Engenheiros e cientistas se deleitavam com a glória enquanto cidades se erguiam no ar, aviões sobrevoavam e a escuridão se transformava em luz.
O ethos predominante era que os especialistas poderiam consertar qualquer coisa com recursos, poder e bons planos suficientes. O mesmo se aplicava ao setor bancário. Tínhamos vivido décadas de falências bancárias, ciclos econômicos, sinais distorcidos de investimento e aparente caos, especialmente com o Pânico de 1907, o evento que criou a justificativa para um novo sistema.
A solução parecia óbvia. Reunir os melhores e mais brilhantes, os mais experientes e os mais visionários numa sala e criar um banco central como o da Alemanha e o da Inglaterra. Dessa forma, podemos trazer racionalidade, boa engenharia e ciência à causa do dinheiro, do setor bancário e da gestão econômica.
O Fed nasceu como uma instituição quase governamental, uma parceria público-privada, que convidaria todos os bancos do país a participar de seu sistema de compensação. O governo concederia o monopólio em troca da disposição do banco em garantir a dívida pública. Então, os especialistas assumiriam o controle, gerenciando a criação de moeda, as taxas de juros e os ciclos econômicos.
Tudo parecia bem no papel. Eles favoreceriam a estabilidade dos negócios, manteriam os bancos abertos durante uma crise, fomentariam a criação de empregos e manteriam a inflação sob controle. A arquitetura do novo sistema parecia perfeita, ao mesmo tempo descentralizada nos estados, mas também centralizada em Nova York e, posteriormente, em Washington, D.C. O que poderia dar errado?
A falha fatal era o relacionamento com o governo federal, que era o benfeitor do Fed. Isso obrigava o Fed a agir quando necessário, em troca da manutenção de seu cartel bancário. Na prática, o governo agora tinha uma máquina de impressão, o que é uma receita para o desastre. Ninguém disse isso, mas era exatamente o que significava. O Fed enfrentaria pressão política constante para manter as taxas baixas, manter o sistema financeiro líquido, evitar falências bancárias e financiar efetivamente quaisquer políticas, por mais insanas que fossem, que o governo tivesse em mente.
Assim surgiu a primeira grande tarefa do Fed: financiar a intervenção americana no conflito europeu que veio a ser chamado de Grande Guerra. As máquinas de impressão se movimentaram e tornaram a guerra possível, não apenas para os Estados Unidos, mas também para todos os governos europeus.
Esta foi a primeira grande guerra envolvendo bancos centrais. Com o poder de imprimir, o governo tinha menos incentivos para se apressar em busca da paz e conter as guerras. É por isso que esta guerra foi a primeira "guerra total", com envolvimento significativo da população civil em muitos países, incluindo o recrutamento militar obrigatório.
Como consequência, a maioria das moedas foi devastada, incluindo o dólar americano. Foi um sinal do que estava por vir. O Fed havia dito que manteria os ciclos econômicos sob controle e conteria a inflação. O oposto aconteceu, década após década. O motivo principal: enquanto o antigo sistema servia aos depositantes, o novo sistema servia principalmente ao governo e a si mesmo. Disso não há dúvida.
O panorama geral, após um século e uma dúzia de anos, é que o poder de compra do dólar foi esmagado. Um dólar em 1913 vale US$ 0,03 hoje. Nem mesmo a grande inflação na Espanha na Alta Idade Média atingiu tais níveis.
O Fed abusou de seu poder e o governo abusou do sistema bancário e monetário para alimentar o crescimento e a consolidação de um estado Leviatã.
Nenhum dos arquitetos do Fed previu tal resultado. Eram homens talentosos das finanças e do setor bancário, certos de que poderiam fazer um trabalho melhor do que as exigências de um sistema bancário descentralizado, com suas crises periódicas decorrentes de surtos de frenesi especulativo. Ao tentar aperfeiçoar o sistema, eles criaram uma tremenda confusão.
O problema não é apenas a inflação, mas a instabilidade gerada pelo controle centralizado das taxas de juros. O ciclo econômico se agravou desde sua criação, com efeitos mais profundos nos mercados de trabalho.
Antes do Fed, quase ninguém falava de um problema de desemprego estrutural, pois sempre havia coisas para fazer e sempre havia pessoas pagando para fazê-las. Depois do Fed, e especialmente depois de 1929, o desemprego se somou às condições crônicas da vida econômica moderna.
Há outra característica do Fed que se tornou óbvia desde que Richard Nixon retirou os Estados Unidos do padrão-ouro e um acordo tornou o dólar a moeda do mundo. Tornou-se a ferramenta de liquidação para todo o comércio internacional, e todos os governos do mundo ficaram felizes em manter ativos baseados em dólares. Qualquer estudioso do comércio pode afirmar que o país com a moeda mais forte sempre será superado como produtor e exportador. Tudo o mais constante, a produção será mais vantajosa em outros lugares.
Existe uma solução para isso, que envolve permitir que o poder de compra aumente internamente e que os custos de produção caiam para se equiparar aos de nossos parceiros comerciais, à medida que sua estrutura de custos se move na direção oposta. É assim que as contas são acertadas.
O Fed não fez isso. Em vez disso, permitiu o abuso generalizado do status do dólar para continuar a gerar financiamento para o estado de bem-estar social e a máquina militar, com dívidas e déficits eternos se acumulando e agora ameaçando a prosperidade de forma fundamental. O número de crises financeiras é lendário.
Vamos avançar para o momento presente. Trump se destacou como o principal estadista do século XXI por observar o que agora é bastante óbvio. Ele afirmou que os Estados Unidos não podem prosperar a longo prazo como meros consumidores endividados da produção chinesa. Precisamos recuperar nossa posição como nação manufatureira. Tarifas são o caminho, afirma.
Os mercados financeiros não gostaram do seu plano. Inicialmente perplexo com o ceticismo, ele finalmente decidiu que o verdadeiro problema é o próprio Fed. Exigiu que o banco central reduzisse as taxas de juros, ao que o Fed respondeu que isso era arriscado. Acabou de superar uma terrível crise inflacionária. Por que o país arriscaria mais uma rodada de flexibilização quantitativa?
Jerome Powell apresenta alguns bons argumentos, mas há uma falta de credibilidade aqui. O Fed esperou tempo demais para aumentar os juros da última vez — de zero na última vez em que Trump esteve no cargo — e agora Trump acredita que eles estão esperando tempo demais para reduzi-los desta vez. Mas vamos fazer uma pergunta mais fundamental: por que isso deveria ser responsabilidade do Fed em vez de ser deixado a cargo das forças do mercado?
A perspectiva e as exigências de Trump são questionáveis, mas parece ser seu papel na vida levantar a questão que clama por respostas. Por que o Fed deveria ter tanto poder? O que é essa relação de codependência entre o banco central e o governo central? Como ela poderia não se inclinar para a corrupção e a má gestão? Após mais de um século de experiência, é hora de repensar o grande erro de sua criação inicial.
As opiniões expressas neste artigo são opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times.
Jeffrey A. Tucker é o fundador e presidente do Brownstone Institute e autor de milhares de artigos na imprensa acadêmica e popular, além de 10 livros em cinco idiomas, sendo o mais recente "Liberty or Lockdown" (Liberdade ou Confinamento). Ele também é editor de "The Best of Ludwig von Mises" (O Melhor de Ludwig von Mises). Escreve uma coluna diária sobre economia para o Epoch Times e dá palestras sobre economia, tecnologia, filosofia social e cultura. Pode ser contatado pelo e-mail tucker@brownstone.org.
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