O Declínio da Virtude no Ocidente
“A cidade não se enfeita com coisas externas, mas com a virtude de quem a habita”
FPCS
Fernando del Pino Calvo Sotelo - 22.9.23
Acusamos frequentemente a classe política de falta de valores, mas serão os políticos uma excepção ou reflectem apenas a falta de valores (ou melhor, de virtudes) da sociedade que vota neles? Pode o eleitor médio valorizar a verdade ou a honestidade, por exemplo, e ainda assim votar em psicopatas, mentirosos patológicos e canalhas?
“A cidade não é adornada com coisas externas, mas com a virtude daqueles que a habitam”, escreveu Epicteto. Quais são as virtudes de quem habita o Ocidente? Porque sem o exercício das virtudes não se pode aspirar a uma ordem social justa, nem à felicidade, pois como disse Aristóteles “sem virtude não podemos ser felizes, na medida em que os homens podem ser felizes[1]“. O mesmo é defendido pelo cristianismo, raiz da civilização europeia: a virtude é a pedra angular sobre a qual se baseiam a felicidade, a convivência e a verdadeira liberdade humana.
Considerar que a fonte da felicidade é a virtude é justamente o oposto de acreditar que a fonte da felicidade é o hedonismo, como defendem com sucesso os viciados em poder, que sabem que uma pessoa escravizada pelo vício das suas paixões é mais obediente.
A classe política não promove a virtude
Numa democracia, a relação entre governantes e governados é complexa e bidirecional. Normalmente, o político apenas agrada e lisonjeia as massas, mas também pode influenciar e criar opinião. Porém, que político incentiva os seus eleitores a terem espírito de trabalho e sacrifício, a dizerem a verdade, a cumprirem a sua palavra ou a lutarem pelo bem comum? Você concordará comigo que eles promovem o egocentrismo, a inveja e a cobiça. Por outro lado, o conceito de “verdade” lhes é estranho, porque com as suas ações defendem que esse engano é normal, que o fim justifica os meios e que a sinceridade é apenas a desvantagem dos ingénuos.
Nem encorajam o necessário respeito pelo adversário político, pelos diferentes ou pelas minorias. Pelo contrário, abusam das suas maiorias para impor os seus pontos de vista e alimentar o ódio para fragmentar a sociedade em grupos opostos – pobres contra ricos, catalães contra o resto dos espanhóis, nacionais contra imigrantes, vacinados contra não vacinados, mulheres contra homens.
A classe política também não promove a virtude da responsabilidade, isto é, a virtude de pegar o touro da vida pelos chifres e assumir as consequências dos seus actos. Na verdade, o Estado-Providência alivia os cidadãos desse “fardo” (uma vez considerado uma característica da idade adulta) em troca de lhes retirar a liberdade, um compromisso nunca tornado explícito, mas inevitável.
Finalmente, este mesmo Estado-Providência é, pela sua própria natureza, contrário à virtude do optimismo, definida por David Isaacs como “confiança razoável nas próprias possibilidades”, por exemplo, para criar uma família, ganhar a vida e progredir, ou seja, para tornar-se um cidadão autoconfiante e independente. Pelo contrário, promove-se a dependência do Estado-Providência, fazendo-nos acreditar que sem a sua existência benéfica não seríamos capazes de subsistir.
Livro de HEITOR DE PAOLA - RUMO AO GOVERNO MUNDIAL TOTALITÁRIO - As Grandes Fundações, Comunistas, Fabianos e Nazistas
https://livrariaphvox.com.br/rumo-ao-governo-mundial-totalitario
Sem o exercício das virtudes também não há verdadeiro progresso material e económico. Num discurso que proferiu no Chile em 1987, João Paulo II enumerou as causas morais da prosperidade como uma constelação de virtudes: “industriosidade, competência, ordem, honestidade, iniciativa, frugalidade, parcimónia, espírito de serviço, cumprimento da palavra, ousadia; em suma, amor pelo trabalho bem feito. E acrescentou: “Sem estas virtudes, nenhum sistema ou estrutura social pode resolver, como num passe de mágica, o problema da pobreza”. Estarão os jovens de hoje tão predispostos como os seus pais e avós a praticar estas virtudes?
A guerra contra a família
Embora a virtude seja uma fonte de felicidade e prosperidade (ou precisamente porque o é), existe uma agenda de poder obscuro que cria um sistema de incentivos contrário ao exercício da virtude. Com o tempo, esta agenda encontrou um obstáculo, uma fortaleza outrora inexpugnável, chamada família. Com efeito, era na família que se educavam as virtudes e aí dificilmente se permitia a intervenção do Estado. É por isso que esta agenda de poder declarou guerra aberta à família.
Embora este ataque à família tenha sem dúvida uma dimensão económica empobrecedora (há algumas gerações um único salário bastava para sustentar uma família de quatro filhos, enquanto hoje dois salários mal conseguem sustentar dois filhos), é na dimensão ideológica que o o ataque está ocorrendo em grande escala. Isto é demonstrado por diversas estatísticas que, embora imperfeitas, podem nos ajudar a traçar um quadro do nível de saúde emocional de uma sociedade. Os dados que vou fornecer são de Espanha, mas a tendência, embora numa ordem de grandeza inferior, é semelhante no resto da Europa.
Ao interpretar os dados parto de certas hipóteses, como a de que todos aspiramos à felicidade, de que o amor nos torna mais felizes do que a indiferença, de que o amor que almejamos é para toda a vida, de que um casamento estável e duradouro produz maior felicidade para os cônjuges e filhos. do que o divórcio, que o aborto não torna feliz a mulher que o pratica (e certamente não o nascituro cuja vida é violentamente interrompida), que o suicídio é uma tragédia, que a companhia é melhor que a solidão e que a vida é melhor que a morte.
A ofensiva contra a família é particularmente virulenta nos países de tradição católica, como a Espanha, e começa por minar a sua própria raiz, isto é, o casamento. Com efeito, longe de promover a convivência pacífica e natural entre homem e mulher, incentiva a luta entre os sexos (por isso existe um Ministério da Igualdade e não um Ministério da Família). O aumento do número de divórcios é um bom exemplo disso: em Espanha passou de 20.000 em 1982 (um ano após a sua legalização) para cerca de 90.000 no ano passado.
Neste sentido, é surpreendente que o divórcio seja encarado de forma tão leviana. Apesar da perturbação social que causa e do enorme sofrimento pessoal que acarreta, especialmente, quando apropriado, para o cônjuge abandonado e para os filhos, não é visto como um flagelo social a ser combatido. Pelo contrário, é banalizado e até promovido, como fizeram em Espanha os sinistros antigos primeiros-ministros Zapatero-Rajoy (o primeiro pertencente ao PSOE socialista e o último ao centro Partido Popular ou PP).
Na verdade, partilhando o trabalho com uma fraternidade quase maçónica, os dois ex-presidentes criaram e consolidaram, respetivamente, a lei do “divórcio expresso”, que eliminou de uma só vez os procedimentos dilatórios exigidos pela lei anterior para dar uma oportunidade de reconciliação. Como afirmou na altura o Conselho Geral da Magistratura (num relatório que o governo socialista ignorou), o divórcio expresso era “uma figura desconhecida” nos outros ordenamentos jurídicos, uma vez que nenhum deles admitia “a vontade unilateral de um dos cônjuges sem a concordância de qualquer causa ou sem um período de reflexão durante o qual se amadureça a decisão de pôr fim ao vínculo matrimonial[2]“. Por causa desta lei, em apenas dois anos a taxa de divórcios multiplicou-se por 2,5 no nosso país. Parece legítimo perguntar qual era o objectivo do legislador, se não destruir.
Mencionámos a importância de as crianças crescerem num lar estável com pai e mãe e, obviamente, o divórcio impede isso. Mas outra tendência preocupante é a percentagem de crianças nascidas fora do casamento, um fenómeno cujas consequências individuais e sociais negativas estão bem documentadas[3]. Enquanto em 1980 apenas 4% das crianças nasciam fora do casamento, hoje o número aproxima-se dos 50%[4].
Outro indicador preocupante é a crise de compromisso pessoal que leva os jovens a casar tarde, a não casar ou a não ter filhos, deixando de lado as considerações económicas. Em 1980, a idade média em que os jovens se casavam era de 25 anos; hoje são 37. Da mesma forma, a taxa de fertilidade caiu de 2,2 para 1,2 e o número médio de membros por família caiu de 3,6 para 2,5. Por tudo isto, os agregados familiares unipessoais passaram de 10% para 26%[5], o que está em vias de se tornar uma epidemia de solidão alheia à cultura tradicional espanhola.
Aborto e ideologia de gênero
Sem dúvida, outro flanco do ataque à família e à fertilidade por parte daqueles que desejam a todo custo reduzir a população é o horror do aborto, a questão moral mais relevante do nosso tempo. Um ano depois de a lei ter sido aprovada em Espanha (1985), ocorreram apenas 500 abortos; no ano seguinte foram 17 mil, e hoje há mais de 90 mil mortes violentas de bebês em gestação cujo direito à vida é negado e cuja voz silenciada poucos defendem. Esta aceitação social do aborto foi conseguida através do engano, mantendo o debate no âmbito da casuística e, acima de tudo, escondendo a sua feia realidade: longe da vista, longe da mente. É por isso que não existem vídeos de abortos, excepto em alguns websites pró-vida[6], e é por isso que há uma oposição feroz à exibição dos batimentos cardíacos ou da ecografia do nascituro às suas mães antes de estas tomarem qualquer decisão.
A última ofensiva contra a família foi a ideologia de género, introduzida em Espanha pelo conjunto PSOE-PP (lembre-se, um aprova e o outro a consolida). Que algo tão contrário à ciência tenha sido imposto pelo poder político é chocante, mas que queiram confundir os menores com tal ideologia e promover neles o transexualismo é uma iniquidade. A Suécia, um país que foi pioneiro na necessária protecção da dignidade desta minoria vulnerável, restringiu por defeito as intervenções e os tratamentos hormonais em menores[7] devido à sua natureza em grande parte experimental e aos potenciais efeitos adversos graves[8]. Mas o mais preocupante é um número apontado por vários estudos científicos[9] e recentemente destacado por meios de comunicação como o New York Times[10], ou seja, que as pessoas transexuais têm um risco muito elevado de suicídio. Como podem as autoridades públicas promover a transexualidade em menores se é verdade que quase 40% dos transexuais tentam ou conseguem cometer suicídio[11] e que, mesmo em países tão exemplarmente tolerantes como a Dinamarca, têm uma taxa de suicídio (em grau de tentativa ) 7,7 vezes superior ao da população em geral[12]?
A dissolução programada da sociedade ocidental
Na verdade, o aumento constante da taxa de suicídio é outro problema grave da nossa sociedade que tende a ser ignorado. Em Espanha, depois de atingir o nível mais baixo de sempre em 1975, com uma taxa de 3,8 suicídios por 100.000 habitantes (uma das mais baixas do mundo naquela altura), hoje o número é de 8,7 por 100.000, ou seja, mais do dobro[13].
Por fim, vale a pena assinalar o aumento da criminalidade como sinal da progressiva ruptura da ordem social e familiar. Neste sentido, embora Espanha continue a ser um dos países mais seguros do mundo, a taxa de criminalidade e a população prisional multiplicaram-se por 5 e 4, respetivamente, desde 1978.
Que conclusões podemos tirar destes dados? Primeiro, que, ao contrário do que nos dizem, em muitos aspectos a sociedade ocidental está a piorar, e não a melhorar. Em segundo lugar, que existe uma sinistra agenda de poder que promove a destruição da virtude e daquela oficina de virtudes chamada família. E, em terceiro lugar, que as ideias têm consequências e que, ao apagar a linha que separa o bem do mal através do relativismo, a sociedade europeia, e particularmente a sociedade espanhola, entrou num processo de dissolução programada.
Famílias desfeitas, solidão, violência, aborto, suicídio, confusão sexual, perda do sentido da vida, infelicidade. Eles chamam isso de progresso.
[1] Ética a Nicómaco, libro I, cap. VIII.
[2] C.G.P.J – Poder Judicial – Consejo General del Poder Judicial – Actividad del CGPJ – Informes – Informe al Anteproyecto de Ley de modificacion del Codigo Civil en materia de separacion y divorcio
[3] Effects of Out-of-Wedlock Births on Society [Marripedia]
[4] Instituto de Politica Familiar (ipfe.org)
[5] Instituto de Politica Familiar (ipfe.org)
[6] Abortos en Vídeo (la mayoría eliminados en youtube) | Escuela de Rescatadores
[7] As Spain advances trans rights, Sweden backtracks on gender-affirming treatments for teens | Euronews
[8] Karolinska Guideline K2021-4144 April 2021 (English, unofficial translation).pdf (segm.org)
[9] Suicide and the transgender experience: A public health crisis – PubMed (nih.gov)
[10] Transgender People Have Higher Suicide Risk, Says Landmark Study from Denmark – The New York Times (nytimes.com)
[11] Suicide and the transgender experience: A public health crisis – PubMed (nih.gov) y USTS-Full-Report-Dec17.pdf (transequality.org)
[12] Transgender Identity and Suicide Attempts and Mortality in Denmark – PubMed (nih.gov)
[13] España – Suicidios 2021 | Datosmacro.com (expansion.com)
- TRADUÇÃO: GOOGLE
- ORIGINAL, + IMAGENS, VÍDEOS E LINKS >