Pequim se intromete no acordo do Canal do Panamá
Pequim intervém na venda dos direitos de operar nas duas partes do Canal do Panamá, mas não há muito que possa fazer, diz um especialista
20.03.2025 por Terri Wu
Tradução: César Tonheiro
Pequim está se intrometendo em uma venda pendente de direitos portuários de uma empresa de Hong Kong para um consórcio empresarial dos EUA liderado pela BlackRock, de acordo com um especialista em China.
O acordo anunciado em 4 de março envolve 43 portos em 23 países. No entanto, dois portos — Balboa e Cristobal — no pacote estão recebendo atenção desproporcional porque estão no Canal do Panamá.
A vendedora, CK Hutchinson, é propriedade de Li Ka-shing, um bilionário icônico em Hong Kong. Durante décadas, os habitantes de Hong Kong admiraram seu sucesso e o apelidaram de "Superman". Como imigrante da China continental, Li construiu seu império vendendo flores de plástico e depois fez a transição para imóveis, telecomunicações e transporte.
Agora, por causa do acordo, o magnata de 96 anos é rotulado como um traidor por "vender o país e toda a população chinesa" e "ajoelhar-se covardemente" diante dos Estados Unidos.
Entre 13 e 19 de março, o jornal pró-Pequim de Hong Kong, Ta Kung Pao, publicou mais de 10 editoriais e comentários, entregando-lhe a reprimenda acima. Os artigos aconselharam ainda todos os empresários a apoiar o Partido Comunista Chinês (PCC) em questões críticas. Um artigo de 13 de março disse que o acordo poderia impactar o comércio exterior da China e a Iniciativa do Cinturão e Rota (sigla em inglês BRI), o investimento de US$ 1 trilhão em infraestrutura geopolítica da China em todo o mundo.
Os Gabinetes de Trabalho de Hong Kong e Macau, representantes do PCC, reimprimiram três dos artigos de Ta Kung Pao nas suas páginas eletrônicas oficiais.
Quando questionado sobre as críticas em uma coletiva de imprensa em 18 de março, o chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee, repetiu a linha do Ministério das Relações Exteriores da China de que seu governo queria que governos estrangeiros "proporcionassem um ambiente justo e equitativo" para as empresas de Hong Kong e que ele era "contra qualquer uso de coerção ou pressão no comércio internacional". Ele acrescentou que quaisquer transações devem seguir as leis e regulamentos chineses.
Alexander Liao, especialista em China e colaborador do Epoch Times, disse que fontes internas do PCC em Pequim lhe disseram que o líder chinês Xi Jinping está irritado com o acordo que o presidente Donald Trump elogiou em seu discurso sobre o Estado da União em 3 de março. Como resultado, disse Liao, Ding Xuexiang, membro do Comitê Permanente do Politburo do PCC e vice-primeiro-ministro da China, enviou uma equipe de trabalho especial a Hong Kong em 15 de março para examinar o acordo do Canal do Panamá.
Liao cresceu no sistema militar da China e anteriormente trabalhou em Hong Kong como jornalista experiente por mais de uma década. Ele aprendeu que os funcionários do governo de Hong Kong não se sentem muito confortáveis em exercer pressão sobre um negócio, o que Hong Kong historicamente não fazia. Portanto, a equipe de Pequim tem liderado o ataque, disse ele.
Ele disse ao Epoch Times que a campanha de difamação de Ta Kung Pao contra Li e as ações do escritório do PCC em Hong Kong foram conduzidas sob a direção da delegação de Pequim.
No entanto, o PCC tem influência limitada sobre Li, disse ele.
Embora a CK Hutchinson, a principal empresa de Li, esteja listada na Bolsa de Valores de Hong Kong, ela está incorporada nas Ilhas Cayman. Na última década, a participação de seus negócios no continente e em Hong Kong encolheu para pouco mais de 10%. Li embolsará cerca de US$ 19 bilhões com o acordo, que precifica a transação em cerca de 14 vezes o lucro de 2024, acima da faixa média para empresas industriais de oito ou 11 vezes o lucro.
Liao disse que uma ferramenta que o governo local poderia usar é a lei de segurança nacional de Hong Kong. Por causa de sua definição vaga de segurança nacional e da estipulação de que a lei se aplica a indivíduos dentro e fora de Hong Kong, milhares de ativistas pró-democracia protestaram contra ela em 2020. No entanto, Pequim impôs a lei à ex-colônia britânica no mesmo ano.
Pequim poderia usar essa lei para retaliar contra Li. No entanto, de acordo com Liao, a consequência pode envolver um golpe irreversível na economia chinesa, porque tal precedente teria um efeito inibidor sobre os empresários de Hong Kong e investidores estrangeiros.
Os comentários de Ta Kung Pao acusaram Li de "negligenciar o interesse nacional".
O comentarista político Heng He disse em seu programa em chinês que Ta Kung Pao falou por Pequim e viu o acordo politicamente, e não como uma transação comercial de uma empresa privada. Para Heng, se o PCC está preocupado que Washington possa usar o Canal do Panamá contra Pequim depois que uma empresa dos EUA comprar os direitos de operar os portos, isso prova indiretamente que o próprio PCC quer ter a opção de utilizar os portos de maneira hostil aos Estados Unidos sob a gestão e controle de uma empresa chinesa.
Principal interesse dos EUA
O Canal do Panamá é um ponto de estrangulamento estratégico que desempenha um papel crucial nas atividades militares e econômicas dos EUA, servindo como uma passagem vital para navios de guerra e cargas entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
A cada ano, o Canal do Panamá movimenta US$ 270 bilhões em carga, representando 5% do comércio marítimo global, com mais de 70% desse comércio conectado aos portos dos EUA. O canal esteve sob controle dos EUA até 1999, quando sua soberania foi transferida para o Panamá sob um tratado de 1977 assinado pelo presidente Jimmy Carter.
O Tratado Carter-Torrijos de 1977 exige a "neutralidade permanente" do canal, garantindo que nenhum país seja discriminado e que nenhum navio aja com hostilidade. De acordo com o tratado, se essa neutralidade estiver em risco, os Estados Unidos podem usar a força militar para defendê-la.
Depois de assumir o cargo em janeiro, Trump questionou a neutralidade. Ele alegou que o canal estava sendo operado pelo regime chinês e prometeu intervir, provocando negações de Pequim e do Panamá.
"A China está operando o Canal do Panamá", disse Trump durante seu discurso de posse. "E não demos para a China. Nós o demos ao Panamá e estamos pegando de volta."
Em 1997, a CK Hutchinson obteve os direitos de administrar os dois portos em ambas as extremidades do Canal do Panamá por 25 anos. Em 2021, o acordo foi renovado para 2047.
Ao anunciar o acordo mais recente, a empresa disse que era uma transação comercial pura, irrelevante para as recentes notícias políticas em torno da hidrovia.
O Canal do Panamá é um interesse estratégico periférico para o PCC, mas é um "interesse central dos EUA", disse Liao.
Dias antes de visitar o Panamá em sua primeira viagem fora dos Estados Unidos, o secretário de Estado, Marco Rubio, disse em uma entrevista em 31 de janeiro: "As empresas sediadas em Hong Kong que têm controle sobre os pontos de entrada e saída do canal são completamente inaceitáveis. Isso não pode continuar."
"Se houver um conflito e a China disser a elas, façam tudo o que puderem para obstruir o canal para que os EUA não possam se envolver em trade and commerce, para que a frota militar e naval dos EUA não possa chegar ao Indo-Pacífico rápido o suficiente, elas teriam que obedecer ... e elas fariam isso. Numa situação dessas teríamos um grande problema em nossas mãos", disse ele.
Após a visita de Rubio, o Panamá disse em 2 de fevereiro que não renovaria seu acordo com a Iniciativa do Cinturão e Rota de Pequim quando o atual contrato expirar no próximo ano.
Um indicador para o confronto EUA-China em todo o mundo
As empresas chinesas também entraram em contato com a CK Hutchinson, de Li, para comprar os direitos de operar os dois portos no Panamá, de acordo com relatos da mídia chinesa, que disseram que os parceiros e a escala do acordo podem mudar.
O dia 2 de abril será um marco importante quando a CK Hutchinson e o consórcio norte-americano liderado pela BlackRock assinarão um acordo definitivo.
Liao disse que a chance de uma empresa chinesa se tornar compradora é pequena e que Trump poderia pressionar o Panamá a tornar os direitos portuários não mais disponíveis para empresas privadas. Se for esse o caso, Li não poderá mais vender os direitos. Se os direitos fossem revogados após o acordo, o comprador chinês acabaria sem nada.
De acordo com Liao, os Estados Unidos não podem permitir que o PCC vença a luta pelo poder sobre o Canal do Panamá porque, se isso acontecer, Washington perderá sua influência no mundo — o que vai contra a agenda de Trump "Make America Great Again".
Portanto, o máximo que o PCC poderá conseguir será dissuadir outros empresários chineses a não se renderem como Li, de acordo com Liao.
"O acordo do Canal do Panamá é apenas um prelúdio do confronto entre os Estados Unidos e o Partido Comunista Chinês", acrescentou. "No futuro, muitos ativos estratégicos importantes em todo o mundo estarão sujeitos a disputas semelhantes. Então, uma era de confrontos começará oficialmente."
Darlene McCormick Sanchez contribuiu para este relatório.
Terri Wu é repórter freelance do Epoch Times em Washington, cobrindo questões relacionadas à educação e à China. Envie dicas para terri.wu@epochtimes.com.
https://www.theepochtimes.com/china/beijing-puts-its-thumb-on-panama-canal-deal-5828421