Por que Pequim teme que os EUA 'joguem a carta russa'
19.03.2025 por James Gorrie
Tradução: César Tonheiro
Hoje, uma parte significativa do cálculo geopolítico da China repousa em sua lealdade à Rússia, um aliado crítico, mas de forma alguma inquebrável. A guerra na Ucrânia, agora em seu terceiro ano, expôs vulnerabilidades nessa parceria, assim como o potencial acordo de paz que está sendo intermediado pelo governo Trump.
Uma estratégia global
Na verdade, os Estados Unidos "jogando a carta russa" devem ser vistos não apenas como um esforço para impedir o derramamento de sangue na Ucrânia, mas como uma estratégia global para minar a influência de Pequim com Moscou e outros países em todo o mundo. Esse movimento ousado inverte o roteiro da triangulação da era Nixon. A partir do início dos anos 1970, os Estados Unidos combateram a influência global da União Soviética liderada pela Rússia envolvendo a China diplomática e economicamente, o que serviu para contrabalançar o principal adversário global dos Estados Unidos.
A ideia tem mérito. A economia da Rússia está abalada, suas forças armadas estão sobrecarregadas e seu isolamento global está crescendo. As sanções ocidentais sufocaram seu acesso à tecnologia e aos mercados, deixando-a desesperada por uma tábua de salvação.
Além disso, Moscou é agora o parceiro mais fraco em suas relações com Pequim, dependente da China para cobertura comercial e diplomática. Se os Estados Unidos virarem a Rússia, a China perde um contrapeso à pressão ocidental, deixando-a mais isolada contra uma OTAN unificada e seus aliados do Indo-Pacífico.
Tornando Pequim ainda mais vulnerável
Quanto à China, ela também se encontra em uma posição vulnerável. Sua dependência da Rússia é profunda, especialmente por recursos. Por exemplo, a Rússia fornece mais de 15% das importações de petróleo bruto da China e grandes quantidades de gás natural por meio de gasodutos como o Power of Siberia. A China também vê as reservas de água doce da Rússia – só o Lago Baikal detém 20% da água doce não congelada do mundo – como uma proteção contra sua própria escassez de água.
Perder ou mesmo reduzir o acesso aos recursos da Rússia, incluindo suas terras aráveis e madeira, colocaria uma enorme pressão sobre a China para encontrar alternativas a um custo muito mais alto. Mas isso pode muito bem ser o resultado de uma reaproximação EUA-Rússia.
Um relacionamento unilateral
Além disso, o comércio com a China – US$ 240 bilhões em 2023 – mantém Moscou à tona, mas é uma relação unilateral. A China compra energia russa barata enquanto vende produtos acabados, deixando a Rússia como um parceiro minoritário. Moscou não se sente confortável e até se ressente de ficar em segundo plano em relação a Pequim.
Por outro lado, os Estados Unidos poderiam oferecer um acordo mais doce: acesso aos mercados globais, investimento em infraestrutura e uma tábua de salvação tecnológica. Para o presidente russo, Vladimir Putin, que prospera no pragmatismo, o fascínio de reconstruir a economia da Rússia pode superar a lealdade ideológica ao líder chinês Xi Jinping.
O potencial para tal desenvolvimento é mais do que hipotético. Um acordo negociado na Ucrânia, onde a Rússia mantém alguns ganhos territoriais, mas se retira da maior parte da Ucrânia, pode ser enquadrado como uma "vitória" para o consumo doméstico. Em troca, os Estados Unidos poderiam pressionar a OTAN a recuar de sua pegada mais oriental – talvez até mesmo revertendo para as fronteiras anteriores a 1997, como a Rússia há muito exige, ou um retorno planejado aos limites previamente acordados, juntamente com uma neutralidade forçada para nações não pertencentes à OTAN que fazem fronteira com a Rússia, como a Ucrânia.
Uma nova distensão EUA-Rússia?
Tal arranjo não desmantelaria a Otan, mas poderia aliviar a paranóia de Moscou sobre o cerco, tornando palatável um pivô para longe da China. É uma concessão de baixo custo para os Estados Unidos: o núcleo da OTAN permanece intacto e os laços da Rússia com a China diminuem.
Claro, ainda não é uma realidade. Putin e a elite russa desconfiam das promessas dos EUA / OTAN. Além disso, a China poderia contra-atacar com negócios mais doces — mais empréstimos, mais tecnologia de armas. Mas isso ainda está para ser visto.
A liderança da Ucrânia também é um curinga. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, está provando ser menos previsível e mais caprichoso do que o governo Trump previa. Além disso, os membros da OTAN da Europa Ocidental estão menos inclinados a buscar um acordo de paz com Putin.
Portanto, parte do esforço do governo Trump é forçar a Ucrânia à mesa de paz, o que está acontecendo enquanto escrevo isso, e convencer os membros da OTAN, como Reino Unido, França e Alemanha, a aceitar um acordo de paz. Os Estados Unidos também devem encontrar uma maneira de atender às condições da Rússia sem perder o acordo da Ucrânia com um cessar-fogo. Ambos devem ser alcançáveis, mas o tempo dirá.
Os EUA têm cartas melhores do que a China
No entanto, no que diz respeito a Moscou, Washington tem cartas melhores para jogar do que Pequim em termos de tamanho de mercado, vantagem tecnológica e o alívio de uma poderosa OTAN recuando dos países fronteiriços da Rússia – tudo isso atrai Moscou.
Ao mesmo tempo, tal acordo adicionaria sal à ferida do regime chinês, que já se encontra na mira do governo Trump em relação ao Canal do Panamá, ao aumento das tarifas comerciais e à aceleração da dissociação econômica americana da China.
No momento, Trump está mostrando uma cenoura e um bastão para Putin. Ao mesmo tempo, o encolhimento da economia da China e o crescente isolamento diplomático das ações dos EUA tornam-se um negativo maior no futuro.
Isso não é apenas uma hipótese para o regime chinês – é um cenário de pesadelo que ameaça sua profundidade estratégica, segurança de recursos e domínio regional.
As apostas são altas e a China tem muito a perder.
As opiniões expressas neste artigo são opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times.
James R. Gorrie é o autor de "The China Crisis" (Wiley, 2013) e escreve em seu blog, TheBananaRepublican.com. Ele mora no sul da Califórnia.
https://www.theepochtimes.com/opinion/why-beijing-fears-the-us-playing-the-russian-card-5825912