SOBRE O ÓDIO AOS JUDEUS NA EUROPA
ORIANA FALLACI
17 de abril de 2002
Tradução: Heitor De Paola
Nota do Tradutor: Oriana Fallaci foi uma jornalista italiana considerada uma das principais entrevistadoras políticas do mundo. Polêmica, mas sempre verdadeira e correta, seus artigos eram publicados nos jornais de todo o mundo. Entrevistou a nata dos políticos de todos os países, que consideravam uma honra quando convidados para uma entrevista. Henry Kissinger, Deng Xiaoping, Ariel Sharon, Yassir Arafat, o ex Xá do Iran, Lech Walesa, Dalai Lama, Robert Kennedy e muitos, muitos outros. O livro Interviews with History and Conversations with Power: Oriana Fallaci relata aventuras jornalísticas. Faleceu em 15/07/2006 com 77 anos. O artigo abaixo (originalmente publicado no Corriere della Sera) foi escrito em função das reação a seu livro La Rabbia e l'orgoglio (A Raiva e o Orgulho) que hoje em dia seria censurado. Foi uma reação ao ataque às Torres do WTC em 11/09/2001 quando percebeu que o Islam estava tomando conta do ocidente. Publico-o por esta razão e mais outra: o ódio do ocidente aos judeus que vemos hoje, é de longuíssima data. Verão que muito do que acontece hoje já estava iniciando em 2002, ano do lançamento. Tal como Erich Maria Remarque, digo “Nada de novo no Ocidente”!
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Acho vergonhoso que na Itália haja uma procissão de indivíduos vestidos como homens-bomba que vomitam insultos vis contra Israel, seguram fotografias de líderes israelenses em cujas testas desenharam a suástica, incitam as pessoas a odiar os judeus. E que, para ver os judeus mais uma vez nos campos de extermínio, nas câmaras de gás, nos fornos de Dachau e Mauthausen e Buchenwald e Bergen-Belsen etc., venderiam a própria mãe para um harém.
Acho vergonhoso que a Igreja Católica permita que um bispo, um com alojamento no Vaticano, nada menos, um homem santo que foi encontrado em Jerusalém com um arsenal de armas e explosivos escondidos nos compartimentos secretos de sua Mercedes sagrada, participe dessa procissão e se plante diante de um microfone para agradecer em nome de Deus aos homens-bomba que massacram os judeus em pizzarias e supermercados. E chamá-los de "mártires que vão para a morte como para uma festa".
Acho vergonhoso que na França, a França da Liberdade-Igualdade-Fraternidade, eles queimem sinagogas, aterrorizem os judeus, profanem seus cemitérios. Acho vergonhoso que a juventude da Holanda, Alemanha e Dinamarca ostente a kaffieh assim como a vanguarda de Mussolini costumava ostentar o porrete e o distintivo fascista. Acho vergonhoso que em quase todas as universidades da Europa os estudantes palestinos patrocinem e alimentem o antissemitismo. Que na Suécia eles pediram que o Prêmio Nobel da Paz dado a Shimon Peres em 1994 fosse retirado e conferido à pomba com o ramo de oliveira na boca, ou seja, a Arafat. Acho vergonhoso que os distintos membros do Comitê, um Comitê que (ao que parece) recompensa a cor política em vez do mérito, levem esse pedido em consideração e até mesmo respondam a ele. No inferno, o Prêmio Nobel homenageia aquele que não o recebe.
Acho vergonhoso (estamos de volta à Itália) que as estações de televisão estatais contribuam para o antissemitismo ressurgente, chorando apenas pelas mortes palestinas enquanto minimizam as mortes israelenses, encobrindo-as em tons relutantes. Acho vergonhoso que em seus debates eles recebam com muita deferência os canalhas com turbante ou kaffieh que ontem cantaram hinos ao massacre em Nova York e hoje cantam hinos aos massacres em Jerusalém, em Haifa, em Netanya, em Tel Aviv. Acho vergonhoso que a imprensa faça o mesmo, que esteja indignada porque tanques israelenses cercam a Igreja da Natividade em Belém, que não esteja indignada porque dentro daquela mesma igreja duzentos terroristas palestinos bem armados com metralhadoras, munições e explosivos (entre eles estão vários líderes do Hamas e Al-Aqsa) não são hóspedes indesejados dos monges (que então aceitam garrafas de água mineral e potes de mel dos soldados daqueles tanques). Acho vergonhoso que, ao dar o número de israelenses mortos desde o início da Segunda Intifada (quatrocentos e doze), um famoso jornal diário achou apropriado sublinhar em letras maiúsculas que mais pessoas são mortas em seus acidentes de trânsito. (Seiscentos por ano).
Acho vergonhoso que o Ossevartore Romano, o jornal do Papa — um Papa que há pouco tempo deixou no Muro das Lamentações uma carta de desculpas pelos judeus — acuse de cometer extermínio um povo que foi exterminado aos milhões por cristãos. Por europeus. Acho vergonhoso que este jornal negue aos sobreviventes daquele povo (sobreviventes que ainda têm números tatuados nos braços) o direito de reagir, de se defender, de não serem exterminados novamente. Acho vergonhoso que em nome de Jesus Cristo (um judeu sem o qual todos eles estariam desempregados), os padres de nossas paróquias ou Centros Sociais ou o que quer que seja flertem com os assassinos daqueles em Jerusalém que não podem ir comer uma pizza ou comprar alguns ovos sem serem explodidos. Acho vergonhoso que estejam do lado dos mesmos que inauguraram o terrorismo, nos matando em aviões, em aeroportos, nas Olimpíadas, e que hoje se divertem matando jornalistas ocidentais. Atirando neles, sequestrando-os, cortando suas gargantas, decapitando-os. (Há alguém na Itália que, desde o surgimento de La Rabbia e l'orgoglio (A Raiva e o Orgulho), gostaria de fazer o mesmo comigo. Citando versos do Corão, ele exorta seus “irmãos” nas mesquitas e na Comunidade Islâmica a me castigar em nome de Alá. A me matar. Ou melhor, a morrer comigo. Como ele é alguém que fala bem inglês, responderei a ele em inglês: “Fuck you.”)
Acho vergonhoso que quase toda a esquerda, a esquerda que há vinte anos permitiu que uma de suas procissões sindicais depositasse um caixão (como um aviso mafioso) em frente à sinagoga de Roma, se esqueça da contribuição feita pelos judeus para a luta contra o fascismo. Feito por Carlo e Nello Rossini, por exemplo, por Leone Ginzburg, por Umberto Terracini, por Leo Valiani, por Emilio Sereni, por mulheres como minha amiga Anna Maria Enriques Agnoletti que foi fuzilada em Florença em 12 de junho de 1944, por setenta e cinco das trezentas e trinta e cinco pessoas mortas nas Fossas Ardeatinas, pelas infinitas outras mortas sob tortura ou em combate ou diante de pelotões de fuzilamento. (Os companheiros, os professores, da minha infância e da minha juventude.) Acho vergonhoso que em parte por culpa da esquerda — ou melhor, principalmente por culpa da esquerda (pense na esquerda que inaugura seus congressos aplaudindo o representante da OLP, líder na Itália dos palestinos que querem a destruição de Israel) — os judeus nas cidades italianas estejam novamente com medo. E nas cidades francesas e holandesas e dinamarquesas e alemãs, é o mesmo. Acho vergonhoso que os judeus tremam com a passagem dos canalhas vestidos como homens-bomba, assim como tremeram durante a Krystallnacht, a noite em que Hitler deu rédea solta à Caçada aos Judeus. Acho vergonhoso que em obediência à moda estúpida, vil, desonesta e para eles extremamente vantajosa do Politicamente Correto os oportunistas de sempre — ou melhor, os parasitas de sempre — explorem a palavra Paz. Que em nome da palavra Paz, agora mais depravada que as palavras Amor e Humanidade, eles absolvam apenas um lado de seu ódio e bestialidade. Que em nome de um pacifismo (leia-se conformismo) delegado aos grilos cantores e bufões que costumavam lamber os pés de Pol Pot eles incitem pessoas confusas ou ingênuas ou intimidadas. Enganem-nas, corrompam-nas, levem-nas de volta meio século para o tempo da estrela amarela no casaco. Esses charlatões que se importam com os palestinos tanto quanto eu me importo com os charlatões.
E isso não é tudo.
Acho vergonhoso que muitos italianos e muitos europeus tenham escolhido como porta-estandarte o cavalheiro (ou assim é educado dizer) Arafat. Essa nulidade que, graças ao dinheiro da Família Real Saudita, interpreta o Mussolini ad perpetuum e, em sua megalomania, acredita que passará para a História como o George Washington da Palestina. Esse miserável agramatical que, quando o entrevistei, não conseguia nem mesmo montar uma frase completa, nem fazer uma conversa articulada. De modo que juntar tudo, escrever, publicar, me custou um esforço tremendo e concluí que, comparado a ele, até Ghaddafi soa como Leonardo da Vinci. Esse falso guerreiro que sempre anda de uniforme como Pinochet, nunca veste trajes civis e, apesar disso, nunca participou de uma batalha. A guerra é algo que ele envia, sempre enviou, outros para fazer por ele. Ou seja, as pobres almas que acreditam nele. Esse incompetente pomposo que, desempenhando o papel de Chefe de Estado, causou o fracasso das negociações de Camp David, a mediação de Clinton. Não-não-eu-quero-Jerusalém-só-para-mim. Esse eterno mentiroso que só tem um lampejo de sinceridade quando (em particular) nega o direito de Israel existir, e que, como eu digo no meu livro, se contradiz a cada cinco minutos. Ele sempre faz a traição, mente mesmo se você perguntar que horas são, para que você nunca possa confiar nele. Nunca! Com ele você sempre acabará sistematicamente traído. Esse eterno terrorista que só sabe ser terrorista (enquanto se mantém seguro) e que durante os anos setenta, quando o entrevistei, até treinou os terroristas do Baader-Meinhof. Com eles, crianças de dez anos de idade. Pobres crianças. (Agora ele os treina para se tornarem homens-bomba. Cem bebês homens-bomba estão em andamento: cem!). Esse cata-vento que mantém sua esposa em Paris, servida e reverenciada como uma rainha, e mantém seu povo na merda. Ele os tira da merda apenas para mandá-los morrer, matar e morrer, como as meninas de dezoito anos que, para ganhar igualdade com os homens, têm que amarrar explosivos e se desintegrar com suas vítimas. E, no entanto, muitos italianos o amam, sim. Assim como amavam Mussolini. E muitos outros europeus fazem o mesmo.
Acho isso vergonhoso e vejo em tudo isso a ascensão de um novo fascismo, um novo nazismo. Um fascismo, um nazismo, muito mais sombrio e revoltante porque é conduzido e alimentado por aqueles que hipocritamente se apresentam como benfeitores, progressistas, comunistas, pacifistas, católicos ou melhor, cristãos, e que têm a ousadia de rotular de belicista qualquer um como eu que grita a verdade.
Eu vejo isso, sim, e digo o seguinte. Nunca fui terna com a figura trágica e shakespeariana de Ariel Sharon. (“Sei que você veio para adicionar outro escalpo ao seu colar”, ele murmurou quase com tristeza quando fui entrevistá-lo em 1982.) Muitas vezes tive desentendimentos com os israelenses, desentendimentos feios, e no passado defendi muito os palestinos. Talvez mais do que eles mereciam. Mas estou com Israel, estou com os judeus. Estou assim como fiquei quando era uma jovem garota na época em que lutei com eles, e quando as Anna Marias foram baleadas.
Defendo o direito deles de existir, de se defender, de não se deixar exterminar uma segunda vez. E enojado pelo antissemitismo de muitos italianos, de muitos europeus, tenho vergonha dessa vergonha que desonra meu País e a Europa. Na melhor das hipóteses, não é uma comunidade de Estados, mas um poço de Pôncios Pilatos. E mesmo que todos os habitantes deste planeta pensassem o contrário, eu continuaria a pensar assim.