Trump, Vance e a Nova Ordem Mundial
A ordem do pós-guerra, construída sobre a confiança ingênua de Roosevelt em Stalin e sustentada pelas custosas intervenções globais dos Estados Unidos, agora oscila à beira da irrelevância
Tradução e Comentários: Heitor De Paola
Na semana passada, o venerável Martin Wolf, comentarista-chefe de economia do The Financial Times, usou sua coluna para declarar o governo Trump e, por extensão, os Estados Unidos, “ o inimigo do Ocidente ”. “Hoje”, escreveu Wolf, “as autocracias [estão] cada vez mais confiantes” e “os Estados Unidos estão se movendo para o lado delas”. De acordo com o subtítulo da coluna, “Washington decidiu abandonar… seu papel no pós-guerra no mundo”. Enquanto isso, Wolf cita o (em sua opinião) augusto Franklin Roosevelt, ao reclamar que os Estados Unidos “decidiram, em vez disso, se tornar apenas mais uma grande potência, indiferente a qualquer coisa, exceto seus interesses de curto prazo”.
As ironias aqui — assim como a ignorância histórica — abundam.
Para começar, seria de se imaginar que Wolf, um homem educado com dois diplomas de Oxford, poderia saber que foi seu compatriota (e duas vezes primeiro-ministro), Henry John Temple (ou seja, Lord Palmerston), que declarou em um discurso na Câmara dos Comuns que "Não temos aliados eternos e não temos inimigos perpétuos. Nossos interesses são eternos e perpétuos, e é nosso dever segui-los". Também se poderia esperar que Wolf soubesse que essa declaração foi repetida — de forma mais famosa e concisa — por Henry Kissinger, talvez o diplomata americano por excelência na suposta alardeada ordem do pós-guerra. Kissinger, como Palmerston e Trump (aparentemente) entendeu que uma nação que busca qualquer coisa diferente de seus interesses é tola, infiel e, com o tempo, condenada.
O que incomoda Wolf, ao que parece, é que os interesses americanos estão divergindo dos interesses britânicos e da Europa continental. Isso é lamentável, mas também é mais do que provável que essa divergência seja o resultado do abandono da Grã-Bretanha e da Europa dos princípios, valores e ambições que os aliados antes compartilhavam, e não o contrário. Por exemplo, Wolf critica o discurso feito por JD Vance no qual o vice-presidente defendeu a dedicação tradicional americana à liberdade de expressão e atacou a rejeição britânica e europeia desse princípio. Mais uma vez, pode-se esperar que Wolf saiba que a preocupação americana com esse e todos os outros direitos negativos é algo que os fundadores da nação herdaram de seus antepassados britânicos. Se as duas nações agora divergem sobre a importância desse direito fundamental, então isso dificilmente é culpa de Vance, Trump ou qualquer outro americano.
Mais ironias são encontradas no elogio de Wolf à ordem pós-guerra agora moribunda e sua citação de FDR como o arquiteto dessa ordem. Embora Wolf esteja correto ao dizer que Roosevelt foi um dos dois americanos mais responsáveis pela criação da ordem pós-guerra, ele está errado ao acreditar que a ordem foi virtuosa por design e que ela se desenrolou precisamente como Roosevelt pretendia. De fato, ele não poderia estar mais errado se tentasse.
Quase desde o momento em que os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial, Roosevelt estava planejando a melhor forma de atingir o objetivo que herdou de seu antigo chefe e antecessor progressista, Woodrow Wilson. O objetivo de Wilson, é claro, era a "governança global" sob a Liga das Nações, um objetivo que o Senado dos EUA, misericordiosamente, negou a ele. Lamentavelmente, Roosevelt compartilhava o sonho de Wilson. O cientista político e historiador da Guerra Fria, Amos Perlmutter, escreveu que a "visão de Roosevelt para um mundo pós-guerra era neo-wilsoniana, totalmente em desacordo com a realidade. Ele ajudaria a criar uma nova ordem internacional, presidida em uma parceria igualitária pelas duas superpotências emergentes, os Estados Unidos e a URSS, e apoiada pela recém-criada organização mundial, as Nações Unidas". Como Wilson, Roosevelt buscou consertar o mundo colocando todo ele sob o controle de um punhado de seus homens mais benevolentes e brilhantes — ele próprio incluído, naturalmente.
O problema, é claro, era que, para acreditar que poderia efetivar seu plano para a ordem global do pós-guerra, Roosevelt também teve que acreditar que ele seria recebido positivamente pelo homem que se tornou o assassino em massa mais proficiente na guerra, Josef Stalin. Notavelmente, Roosevelt, de fato, acreditava exatamente nisso. Ele repetidamente disse à sua equipe e a outros que estava convencido de que o homem que ele carinhosamente chamava de "Uncle Joe" acolheria ansiosamente sua amizade e as súplicas americanas para compartilhar a governança do mundo em conjunto. Eles seriam, ele acreditava, os aliados mais próximos e os melhores amigos. Em 1943, antes mesmo de conhecer Stalin, FDR disse ao seu primeiro embaixador na URSS, William Bullit, que "tenho apenas um palpite de que Stalin não quer nada além de segurança para seu país, e acho que se eu lhe der tudo o que puder e não pedir nada em troca, noblesse oblige, ele não tentará anexar nada e trabalhará por uma democracia mundial e paz".
Roosevelt se aproximou do fim da guerra e de Yalta no mesmo estado de delírio. Ele foi, chapéu na mão, implorar a Stalin para se juntar a ele em seu plano de governar o mundo juntos como os benevolentes co-vencedores e co-representantes da esquerda política triunfante. Como a história mostra, Roosevelt deu a Stalin tudo o que ele queria em Yalta, na vã esperança de que os dois pudessem ser amigos e trabalhar juntos. A história também mostra que FDR nunca se desiludiu dessa fantasia e, como resultado, começou a tentar colocá-la em prática.
Para esse fim, Roosevelt colocou seus melhores homens na tarefa de garantir a criação — e a ratificação bem-sucedida pelo Senado — das Nações Unidas. Entre esses melhores homens estavam seu Secretário de Estado Edward Stettinius, o futuro Secretário de Estado John Foster Dulles e um assessor em quem Roosevelt confiou muito enquanto estava em Yalta, o diretor do Escritório de Assuntos Políticos Especiais, um homem chamado Alger Hiss.
Muitos anos de trabalho foram dedicados à criação das Nações Unidas e ao planejamento de sua carta, e muitos americanos proeminentes — incluindo Stettinius e Dulles — tiveram uma contribuição tremenda nos documentos. No final, porém, foi Hiss, o espião soviético, que garantiu que as Nações Unidas nascessem. Hiss foi o principal autor da Carta das Nações Unidas e participou da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional em São Francisco como parte da delegação oficial americana chefiada pelo senador Arthur Vandenberg. Entre outras coisas, Hiss foi encarregado de garantir o apoio e a conformidade de Vandenberg — tanto no endosso da Carta da ONU na conferência em São Francisco quanto em conduzi-la com sucesso pelo processo de ratificação do Senado.
As Nações Unidas foram o passo mais crítico na transformação do mundo no fim da guerra. Mas foi apenas o primeiro passo. Durante a maior parte de um século, os intelectuais seculares esquerdistas e os pietistas utópicos conspiraram para empurrar a noção de “governança global” em um globo relutante e desinteressado. Em 1945, no entanto, com os utópicos vitoriosos no Ocidente e os cínicos assassinos, mas astutos, vitoriosos no Oriente, o sonho wilsoniano-pietista finalmente se tornou realidade. Todo o período pós-guerra — das tentativas de Roosevelt de cortejar Stalin em Yalta e além até o estabelecimento das Nações Unidas, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional; do discurso de Truman sobre a crise grega à formulação da política de contenção; da guerra na Coreia ao Plano Marshall — talvez seja melhor compreendido como a história das tentativas da esquerda americana de nutrir e encorajar o governo mundial e consolidar o poder sob a liderança americana benéfica.
Essa ordem mundial — que indiscutivelmente produziu as guerras na Coreia e no Vietnã e possivelmente contribuiu para as guerras no Afeganistão e no Iraque — é a ordem mundial que Trump e Vance estão supostamente abandonando e que Martin Wolf deseja desesperadamente preservar.
Não posso dizer com qualquer grau de certeza que qualquer nova ordem mundial será particularmente grandiosa, mas posso dizer que a velha e nova ordem mundial foi, na melhor das hipóteses, um feliz acidente que quase resultou na destruição nuclear de todo o planeta — e que pode não ter tanta sorte na próxima vez.
https://amgreatness.com/2025/03/01/trump-vance-and-the-new-new-world-order/