Turbulência no setor imobiliário da China lembra o colapso global de 2008, afirma especialista
A falência do banco paralelo Zhongzhi tipifica o destino de conglomerados sobrealavancados que lutam num mercado caótico.
16/01/2024 por Michael Washburn
O Zhongzhi Enterprise Group Co., um dos mais proeminentes bancos não estatais ou “Shadow Bank” da China, é a mais recente vítima de um mercado onde é difícil obter relatórios de dados financeiros confiáveis.
O governo superestima continuamente a velocidade do crescimento, do nível de diversificação do mercado e a robustez dos valores imobiliários que estão em declínio há meses.
Uma visão irrealista da força de uma economia sob a supervisão dos burocratas do Partido Comunista Chinês (PCC) levou a uma das piores explosões na história de negócios na China, e é quase certo que mais desastres desse tipo ocorrerão sob a atual política.
Essa é a opinião de Charles Trczinka, professor da Kelly School of Business da Universidade de Indiana, que viveu e trabalhou na China e proferiu palestras para executivos de lá.
Em 8 de dezembro, a mídia estatal citou o Politburo da China fazendo previsões otimistas sobre o desempenho da economia em 2024. Tais pronunciamentos fazem parte de um padrão trapaceiro de longa data, disse Trczinka.
A incapacidade de diversificar e a falta de relatórios fidedignos são evidentes não só no setor imobiliário, mas em todo o panorama empresarial da China, quer em empresas estatais ou, como no caso do Zhongzhi, entidades paralelas relativamente não regulamentadas, acredita Trzcinka.
Outrora uma das instituições financeiras mais poderosas da China, o Zhongzhi agora é incapaz de pagar cerca de ¥$ 460 bilhões (US$ 65 bilhões), que deve aos credores, informaram fontes em 5 de janeiro.
O Primeiro Tribunal Popular Intermediário de Pequim está supervisionando os processos de insolvência enquanto a empresa e os reguladores se perguntam como começar a resolver a barafunda e reembolsar os credores.
“Em dado momento, os ativos do Zhongzhi eram o dobro do valor dos seus passivos e agora são metade. A economia chinesa desacelerou em 2023 e pode muito bem desacelerar novamente em 2024 e, neste momento, as pessoas estão chamando isso de um obstáculo para a economia mundial”, disse Trczinka ao Epoch Times.
Embora muitas pessoas associem uma grande economia ao dinamismo e às oportunidades abundantes, Trczinka suspeita que as representações do Partido Comunista Chinês (PCC) sobre a saúde e a força do mercado local podem ter espalhado impressões enganosas.
“Na minha opinião, a China não é um país onde se possa confiar piamente nas divulgações do governo. Acho que [o colapso do Zhongzhi] é um sintoma de uma economia cujo tamanho não sabemos realmente, não podemos confiar nos dados”, disse ele.
Embora a economia da China dependa fortemente de transações imobiliárias baseadas em crédito, Trczinka disse que é muito fácil subestimar os perigos de um conglomerado como o Zhongzhi contrair demasiadas dívidas e ficar sobrealavancado.
“O conturbado segmento imobiliário é um grande setor. Tem todos os tipos de coisas, mas não são tão diversificados quanto se pensava”, disse Trczinka.
Trczinka expandiu o seu ponto de vista comparando o destino do Zhongzhi e a recessão nos mercados da China a um dos períodos mais turbulentos da história das finanças – o colapso global de 2008 a 2009.
“É mais ou menos como o que aconteceu em maior escala na crise financeira de 2008, onde as pessoas pensavam que em mercados muito espalhados como Wyoming, Atlanta e Boston, não haveria a necessidade de se preocupar com a queda dos valores das propriedades, porém todos caíram de uma só vez”, disse Trczinka.
Uma mulher caminha perto do Zhongrong International Trust Co (ZRT), de copropriedade do Zhongzhi Enterprise Group, em Pequim, em 17 de agosto de 2023. (GREG BAKER/AFP via Getty Images)
Em novembro de 2008, os preços das casas em 20 cidades americanas caíram 18,2% em comparação com o ano anterior, e no geral caíram 15,3% em 2008, em comparação com 2007, de acordo com os Índices de Preços de Casas S&P/Case-Shiller.
Trczinka vê um fenômeno similar afetando um banco paralelo que concede empréstimos, cuja queda dos preços da habitação minou o seu modelo de negócio.
Ainda em novembro de 2023, a Reuters informou que os preços das novas casas na China haviam caído pelo quarto mês consecutivo no final de outubro. Os preços caíram 0,3% em outubro, segundo o Departamento Nacional de Estatísticas.
“A China parece estar atravessando a mesma situação. Estou certo que o Zhongzhi contava com a vantagem do vasto mercado”, disse Trczinka. “A China é um país grande e há muitos mercados diferentes nos quais poderiam investir, mas provavelmente não esperavam que todos caíssem de uma só vez.
“Os mercados chineses estavam sobrevalorizados e agora estão em queda. Assim que os preços caem, a alavancagem significa muito e eles tiveram que declarar falência”, acrescentou.
As autoridades em Pequim podem ter observado para que lado o vento soprava, dizem os especialistas. A situação em que o Zhongzhi se encontra não surgiu do nada. Seguiu-se a uma série de desdobramentos de outras empresas ativas no setor imobiliário.
Um exemplo é a Evergrande, que enfrentou graves dificuldades financeiras no final de 2021 e tentou empurrar com a barriga atrasando os pagamentos de juros sobre os seus títulos em dólares.
Atualmente, a Evergrande está tentando desesperadamente reestruturar mais de US$ 300 bilhões em dívidas, com audiência marcada para 29 de janeiro em um tribunal de Hong Kong.
Desconfiança do Setor Privado
Os especialistas que acompanharam o lento desaparecimento da Evergrande atribuem os seus problemas, em parte, ao caráter difuso da empresa como um conglomerado imobiliário que se expandiu sem sentido ou razão para outras áreas específicas tão variadas como inteligência artificial, veículos eléctricos, cosméticos e água mineral.
Mas a má gestão do PCC e a acumulação imprudente de dívidas também ajudaram a transformar a empresa numa gigante drasticamente sobrealavancada e pesada, que não conseguia começar a saldar as suas dívidas, dizem eles.
“O equilíbrio é uma tarefa complicada e é difícil prever como isso terminará para os ativos da Evergrande”, disse Dylan Sutherland, professor da Durham University Business School, ao Epoch Times.
Sutherland disse esperar que os responsáveis do PCC intervenham para tentar salvar a estabilidade financeira, bem como enviar uma mensagem a outros intervenientes no mercado de que o PCC tem a autoridade final na economia supostamente híbrida.
No mercado chinês, empresas “paralelas” como o Zhongzhi têm frequentemente um estatuto ambíguo. Trczinka vê questões culturais profundas, incluindo uma desconfiança contínua na iniciativa privada, como uma dificuldade constante para as empresas que tentam criar uma identidade independente do domínio do PCC.
Ele relembrou uma experiência na década de 1980, quando fazia palestras para executivos na China sob os auspícios de um programa do Departamento de Comércio.
“Lembro-me de uma palestra para executivos chineses de empresas estatais. Eu disse: 'Confie no mercado', e recebi toda essa resistência sobre: 'Bem, claro, pode ser melhor para a economia, mas teremos problemas sociais.' Dava para sentir a tensão”, disse Trczinka.
“Houve mais situações como esta. É o caso de o regime chinês não confiar no seu próprio povo. Também existe um alto nível de corrupção”, acrescentou.
Edifícios residenciais em um complexo da Evergrande em Pequim em 27 de setembro de 2023. (Florence Lo/Reuters)
Embora o mercado imobiliário da China continue atravessando fortes turbulências, os especialistas não esperam que Pequim incentive a inovação em áreas que possam oferecer aos cidadãos novos caminhos para procurarem prosperidade e independência.
De acordo com a Forbes, no fim de semana de 6 e 7 de janeiro, a publicação de um artigo online pelo Serviço Fiscal Municipal de Xangai sobre a tributação de moedas digitais despertou brevemente esperanças de que as autoridades pudessem estar inclinadas a legitimar a criptomoeda, que ainda não tem curso legal na China .
No entanto, a agência governamental retirou o artigo logo após sua publicação.
Num futuro próximo, o governo da China parece determinado a manter a sua postura anti-cripto e a contribuir ainda mais para a estigmatização que os analistas da indústria consideram um dos maiores obstáculos à adoção generalizada de ativos digitais.
“Existem duas barreiras principais, no que me diz respeito: a regulamentação global e o fato de a maioria das pessoas ainda achar difícil compreender e operar”, disse Denis Rogachev, CEO da Cryptadium, uma plataforma de pagamento de criptomoedas com sede em Vilnius, na Lituânia, disse ao Epoch Times.
“A regulamentação global significa que os interesses dos reguladores estão em oposição direta à filosofia das criptomoedas. Os reguladores querem ver e controlar tudo.
“Portanto, o Bitcoin deveria ser negociado por meio de aplicativos móveis semelhantes aos bancos. Mas a filosofia das criptomoedas é permanecer anônima e realmente possuir o seu dinheiro”, acrescentou.
Enquanto o governo chinês mantiver a sua posição atual, a adoção generalizada é improvável.
“Para adoção [dos criptoativos] no uso diário, precisamos de aplicativos e processos fáceis de usar. As pessoas precisam ver que não é muito diferente de como funciona a moeda fiduciária, mas é mais rápido, mais barato e mais seguro”, disse ele.
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Michael Washburn é um repórter baseado em Nova York que cobre tópicos relacionados aos EUA e à China para o Epoch Times. Ele tem formação em jornalismo jurídico e financeiro e também escreve sobre artes e cultura. Além disso, ele é o apresentador do podcast semanal Reading the Globe. Seus livros incluem “The Uprooted and Other Stories”, “When We’re Grownups” e “Stranger, Stranger”.