Flórida se move para proibir propaganda de campanha como “incômodo sanitário”
Para começar, a jurisprudência contemporânea da Suprema Corte deixa claro que a Primeira Emenda protege uma ampla gama de inverdades no discurso público.
Walter Olson - 14 OUT, 2024
O Departamento de Saúde da Flórida enviou uma carta à estação de televisão WCJB de Gainesville exigindo que ela pare de exibir um anúncio de campanha em apoio à Emenda 4, uma iniciativa eleitoral que liberalizaria a lei de aborto do estado.
No anúncio, “Caroline” de Tampa afirma que fazer um aborto foi necessário para salvar sua vida e que “a Flórida agora proibiu o aborto mesmo em casos como o meu”. O departamento de saúde do estado alega que esta é uma declaração incorreta sobre a lei atual do estado da Flórida, que o erro pode fazer com que algumas mulheres não procurem o tratamento médico necessário na Flórida e que, como resultado, a veiculação do anúncio viola a seção 386.01 dos Estatutos da Flórida, segundo a qual “a prática de qualquer ato, por um indivíduo, município, organização ou corporação … pelo qual a saúde ou a vida de um indivíduo, ou a saúde ou a vida de indivíduos, pode ser ameaçada ou prejudicada” constitui um 'incômodo sanitário'. ”
De acordo com a lei da Flórida, a carta diz que qualquer um que se recuse a reduzir um incômodo sanitário sob demanda — neste caso, tirando o anúncio do ar — viola a lei criminal e também está sujeito a uma liminar. Antecipando a objeção de que a Primeira Emenda (e a cláusula paralela da constituição da Flórida) cobre o discurso de campanha e este anúncio em particular, o departamento de saúde da Flórida acrescenta que tal direito de expressão "não inclui rédea solta para disseminar anúncios falsos que, se acreditados, provavelmente teriam um efeito prejudicial nas vidas e na saúde de mulheres grávidas na Flórida".
Parece difícil acreditar que os tribunais federais ou estaduais manteriam a afirmação do Departamento de Saúde da Flórida de um poder de censura extraordinariamente amplo sobre discursos sobre questões controversas de saúde pública, "incômodos sanitários" ou outros.
Para começar, a jurisprudência contemporânea da Suprema Corte deixa claro que a Primeira Emenda protege uma ampla gama de inverdades no discurso público. (Presumo, para fins de argumentação , que a Flórida está certa sobre o anúncio conter declarações falsas.) Embora a Suprema Corte não tenha sido unânime quanto a exatamente onde a linha da Primeira Emenda deve ser traçada, os juízes concordaram que a proteção mais ampla se aplica a discursos supostamente falsos sobre questões de amplo interesse e debate público, como aqui. ( Eugene Volokh tem mais sobre EUA x Alvarez e casos relacionados.)
Há exceções, mas nenhuma se aplica aqui. O discurso sobre questões de saúde em um contexto comercial ou remunerado pode estar sujeito a sanção legal, como com deturpação em um anúncio de medicamento ou aconselhamento médico por um médico a um paciente que constitui negligência médica. Este discurso, no entanto, tem a intenção de persuadir os ouvintes a votar de uma certa maneira, não a comprar um medicamento patenteado. Como três juízes colocaram em Alvarez, "A questão não é que não exista verdade ou falsidade em [áreas de interesse público e debate] ou que a verdade seja sempre impossível de averiguar, mas sim que é perigoso permitir que o estado seja o árbitro da verdade."
Da mesma forma, embora as emissoras estejam sujeitas a algumas obrigações legais distintivas de nível federal, a Flórida não afirma uma violação desse tipo, nem teria o poder de impor regulamentações federais em nenhum caso. Sob a teoria da Flórida, o estado poderia suprimir o discurso mesmo que fosse feito em um jornal ou postagem em mídia social. E embora alguns estados continuem a ter leis nos livros proibindo mentiras durante campanhas — novamente, não invocadas pela Flórida neste caso — a aplicabilidade de tais leis é duvidosa, principalmente no caso de discurso sobre medidas eleitorais em oposição a, digamos, discurso difamatório sobre um candidato.
Lembro-me de alguns na direita argumentando apaixonadamente, e acho que corretamente, que a Primeira Emenda não permite que o governo suprima ou censure falsas alegações sobre a COVID-19, mesmo que (por exemplo) essas declarações falsas dissuadam as pessoas de recorrer a vacinas ou terapias que salvam vidas. De fato, no caso da Suprema Corte de Murthy v. Missouri (que foi resolvido por outros motivos), o estado da Flórida se juntou a um amicus curiae endossando fortemente o princípio de que a Primeira Emenda protege o direito de dizer coisas sobre saúde que as autoridades consideram equivocadas e praticamente perigosas. O que aconteceu?
Embora a questão seja realmente complexa, não parece ser este o caso em que deva-se restringir o alcance da Primeira Emenda dessa maneira que, claramente, constitui censura. Neste caso específico, meu modesto entendimento é que os efeitos negativos, e perversos, podem ser refreados com a determinação de que, em cada veiculação, os anúncios sejam obrigatoriamente seguidos de uma nota de esclarecimento que se contra ponha, explicando o que é inverídico e restabelecendo a verdade, analogamente ao "direito de resposta" que conhecemos no Brasil. Se o cidadão pode ser exposto a mentiras, também tem o direito de ser informado do ponto de vista contrário, de modo a poder fazer seu próprio julgamento. Quem se arvora no direito de dizer o que bem entende, sendo mentira, deve suportar o ônus correspondente ao restabelecimento da verdade.